Muralha digital: cerco de segurança? Sem resposta da prefeitura, projeto traz dúvidas quanto ao seu funcionamento
Uma das câmeras de monitoramento localizada na Avenida Olívia Flores. Foto: Danilo Souza
Com a promessa de melhorar a segurança no trânsito do município, a prefeitura de Vitória da Conquista assinou, no último dia 05, um contrato com Atlanta Tecnologia da Informação LTDA, para a implantação do Muralha Digital, projeto que já existe em outras cidades do país, a exemplo de Curitiba, capital do Paraná, e Botucatu, interior de São Paulo, com o mesmo nome. A empresa contratada desenvolve soluções tecnológicas para o controle do tráfego e tem sede em Fortaleza, Ceará.
Através de câmeras espalhadas pela cidade, o Muralha Digital pretende fiscalizar infrações de trânsito, monitorar o tráfego, coletar e fazer tratamento de dados estatísticos, substituindo os antigos radares eletrônicos, de acordo com o texto publicado no site da Prefeitura. Assim como em Curitiba, o Muralha Digital, em Vitória da Conquista, funcionará integrando serviços públicos como: Guarda Municipal, Sistema Municipal de Trânsito (SIMTRANS), Defesa Civil e o Serviço Móvel de Urgência (SAMU).
O contrato terá a duração de doze meses, começando em 01 de dezembro de 2023 e terminando em 01 de dezembro de 2024. O valor é de R$5.595.113,40 (cinco milhões, quinhentos e noventa e seis mil, cento e treze e quarenta centavos). Ainda segundo a publicação, o acordo também visa a criação e manutenção de um centro integrado de comando e controle, que atuará em parceria com Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SEMOB).
No entanto, algumas perguntas não são respondidas no que diz respeito à Lei Geral de Proteção e Dados Pessoais e à operação do sistema. As imagens capturadas por câmeras e que serão direcionadas a uma Central de Monitoramento poderão incriminar ou não quem comete infração no trânsito? Quais tipos de infrações são passíveis de punição a partir de coleta de imagens? Até quando essas imagens podem ficar armazenadas? Quantas câmeras serão instaladas, quando começarão a funcionar e em quais pontos da cidade?
Essas questões talvez ajudem a refletir sobre o controle social por meio da captura de imagens. Não temos respostas, por exemplo, sobre como elas serão armazenadas e como serão utilizadas. Se as imagens coletadas serão dos veículos ou também dos condutores e ainda, se essas câmeras farão o reconhecimento facial. Todas essas questões não foram debatidas com a sociedade. Tampouco respondidas à equipe de reportagem, que por duas semanas procurou a prefeitura por telefone e via Whatsapp, tentando marcar uma entrevista com o secretário de Mobilidade Urbana de Vitória da Conquista ou outra pessoa que pudesse falar sobre o projeto, mas não obteve sucesso.
O presidente da Comissão de Direito da Tecnologia e Informação da OAB de Vitória da Conquista, Luis Calazans, conversou com nossa reportagem sobre os direitos em relação à proteção de dados.
Por quanto tempo as imagens coletadas podem ficar armazenadas num sistema como o Muralha Digital?
Em relação ao tempo de armazenamento das imagens coletadas pelo sistema Muralha Digital, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n° 13.709/18) não estipula um período específico, mas traz princípios importantes que ajudam a definir esse tempo de forma adequada. Segundo a LGPD, o tratamento de dados pelo Poder Público deve atender ao princípio da necessidade, ou seja, os dados devem ser utilizados apenas para o cumprimento dos propósitos para os quais foram coletados, e pelo menor tempo possível para atingir esses propósitos (Art. 6º, III), como também, apresentar os critérios usados para determinar esse período de armazenamento (Art. 9°,II). Além disso, é necessário apresentar informações claras e atualizadas sobre a previsão legal do tratamento desses dados, a finalidade deste tratamento, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, tudo em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos para que o cidadão possa consultar e exercer eventual direito como titular de dados pessoais.
Portanto, a Prefeitura de Vitória da Conquista, ao implementar o sistema, deve definir e divulgar claramente por quanto tempo as imagens serão armazenadas, justificando esse período com base nos objetivos do projeto e em quaisquer outros requisitos legais ou regulamentares que possam ser aplicáveis, como legislação específica sobre trânsito ou segurança pública.
Como a Lei Geral de Proteção de Dados estabelece restrições ou mesmo sanções, às instituições que porventura abusem da vigilância por meio da coleta de imagens?
Neste caso, precisamos definir os agentes de tratamento dos dados, para uma compreensão melhor da questão.O titular de dados pessoais, é o cidadão que porventura terá os dados do seu automóvel coletados e que esses dados poderão identificá-lo enquanto proprietário.
O controlador de dados é a Prefeitura que toma as principais decisões referentes ao tratamento de dados pessoais e define a finalidade deste tratamento.
E numa análise preliminar, a empresa Atlanta Tecnologia da Informação LTDA, atuando como fornecedora dos equipamentos e sistemas e encarregada da implementação, manutenção e operação do Muralha Digital, desempenha o papel de operador de dados.
Diante dessa dinâmica, a LGPD adota um regime de responsabilidade objetiva, o que significa que o controlador e o operador podem ser responsabilizados independentemente de culpa por danos causados a terceiros em decorrência do tratamento de dados pessoais (Art. 42). Isso implica dizer que a Prefeitura, como controladora, pode ser responsabilizada por danos causados em razão de incidentes de segurança, mesmo que a culpa seja da empresa contratada como operadora.
Especificamente quanto às possíveis sanções que podem ser aplicadas ao Poder Público, podem ser aplicadas as sanções administrativas previstas na LGPD, salvo as sanções pecuniárias. Ademais, a LGPD prevê a possibilidade de responsabilização de agentes públicos, nos termos previstos na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Estatuto do Servidor Público), na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei da Improbidade Administrativa) e na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), como também o cidadão (titular de dados pessoais), pode buscar a responsabilização por eventuais danos no Poder Judiciário.
Como as pessoas que se sentirem invadidas podem recorrer?
Inicialmente a minha recomendação é procurar um profissional especializado no assunto, afinal, além daquilo que está expresso na LGPD, temos outras legislações que atuam em consonância, mas em regra, as pessoas que se sentirem invadidas ou que acreditam que seus dados pessoais foram tratados de maneira inadequada têm o direito de recorrer e buscar a proteção de seus direitos enquanto titular de dados, como:
Contato com o Controlador: A LGPD exige que o controlador forneça informações claras sobre como e por que os dados são tratados e que atenda às solicitações dos titulares em relação aos seus dados. Sendo assim, a Prefeitura precisa nomear um Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais (DPO - Data Protection Officer) e disponibilizar um contato direto para que os titulares de dados pessoais que se sentirem lesados, possam exercer seus direitos.
Comunicação com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD): Se a resposta do controlador não for satisfatória, ou se acreditar que o tratamento de dados não está em conformidade com a LGPD, o titular dos dados pode recorrer à ANPD. A ANPD é o órgão responsável por fiscalizar, orientar, e aplicar sanções em caso de violação da legislação de proteção de dados.
Ação Judicial: Os titulares dos dados também têm o direito de apresentar uma ação judicial caso acreditem que seus direitos foram violados. A LGPD garante o direito à reparação por danos morais e materiais decorrentes de violação da legislação de proteção de dados.
A OAB ajuda na fiscalização para garantir o cumprimento da LGPD?
A OAB não possui competência legal para realizar uma fiscalização direta. Essa competência é da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais – ANPD, contudo, a OAB tem um papel não somente na defesa dos advogados(as), mas também o papel de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito e os direitos humanos. Desta forma, com a Emenda 115 promulgada em 2022, foi acrescido um inciso LXXIX ao artigo 5º, da Constituição Federal, dispondo que "é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais".
Por isso, qualquer cidadão que tiver seu direito enquanto titular de dados pessoais violado, pode fazer uma denúncia também na OAB para que seja avaliado pela entidade e tomar as medidas cabíveis.
A OAB de Vitória da Conquista possui uma Comissão de Direito da Tecnologia e Informação que é composta por advogados e advogadas especialistas no assunto e estão vigilantes.
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