O diário de um detento

Sobreviver no inferno é um dos desafios vividos por boa parte dos brasileiros, sobretudo, para a grande taxa de população carcerária do país. No meio das más condições de vida e de infraestrutura nos locais onde cumprem suas penas, um desses detentos se destacou por contar a sua história e criar a base para o que seria uma das canções mais conhecidas dos Racionais MC’s e do rap nacional.

Diário de um Detento é a sétima faixa do disco Sobrevivendo no Inferno, lançado em 1997. O contexto da canção aborda a violência e a falta de humanidade presente nas prisões do Brasil - o que, para alguns, é motivo de comemoração em um país onde há quem diga que ‘bandido bom é bandido morto’. Bem mais que uma faixa, Diário de um Detento tornou-se um hino para a luta de direitos humanos e a reforma do sistema carcerário brasileiro.

Um fato que talvez muitos dos ouvintes dessa faixa não conheçam é que ela foi composta por um detento que vivenciou de perto o massacre do Carandiru, em 1992, num triste episódio real que resultou na morte de 111 presos e que deixou a história por trás da música ainda mais pesada. Em um dos versos, o compositor chega a comparar os acontecimentos no presídio com os feitos de Adolf Hitler, ditador e líder da Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial.  

“Ratatatá! Sangue jorra como água

Do ouvido, da boca e nariz [...]

Cadáveres no poço, no pátio interno

Adolf Hitler sorri no inferno!”

A canção foi mais amplificada ainda após o lançamento do seu videoclipe, com uma boa parte das imagens gravadas na Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, em uma ação ousada, mas que era o objetivo de Mano Brown. “Ou filma no Carandiru, ou não tem clipe”, comentou ele em uma reunião a respeito do assunto. Para realizar as gravações na Casa de Detenção foi necessário a autorização de um juiz, mas com algumas condições, como o tempo de gravação e a quantidade de pessoas e equipamentos. 

Os membros dos Racionais, principalmente Mano Brown, eram vistos como ícones para os encarcerados e por este motivo os presos colaboraram para que as imagens ficassem ainda mais fiéis à sua realidade. Maurício Eça, o diretor do clipe, assumiu mais tarde que chegou a ter medo de que a situação saísse do controle durante as gravações. “Quando fomos filmar, eles começaram a bater mão nas paredes e grades e foi assustador. Queria que a cena acabasse logo, porque deu medo de perder o controle.”

Publicado em 1998, o clipe, mesmo com oito minutos de duração, tinha presença frequente no programa “Disk MTV”, que exibia diariamente os dez videoclipes mais pedidos na MTV, ajudando a alavancar a mensagem trazida nos versos e imagens. E isso teve resultado. Ainda no mesmo ano, o trabalho recebeu três indicações no prêmio MTV Video Music Brazil, e venceu duas: “Melhor videoclipe de Rap” e “Escolha da Audiência”. Anos depois, em 2012, o clipe apareceu na segunda colocação em uma lista dos melhores clipes da história da música brasileira, divulgada pela Folha de São Paulo. 

Diário de um Detento é uma obra que se tornou atemporal, já que mesmo quase 30 anos depois ainda é possível encontrar paralelos entre a sua letra e o que se vive nos complexos penitenciários no país, o que, de certa forma, não é uma surpresa, mas que faz refletir: quantos mais diários de detentos terão que ser contados para que as coisas sejam diferentes? 


Danilo Souza

Estudante de Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), músico e produtor audiovisual independente.

danilosouza.jornalismo@gmail.com (Email)
@danilosouza.jornalismo (Instagram)

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