Leidy e as Sinhás: Racismo a partir do BBB

  • Laís Sousa

Reprodução TV Globo

[leia ouvindo ‘Tem Muito Preto – MC Negão da BL’ e repare a semiótica da imagem: dois negros brigam enquanto afastados por uma indígena, enquanto uma branca afastada sorri]

O Big Brother Brasil sempre foi um fenômeno de audiência e, às vezes, mais comentado do que política e futebol juntos. São 24 edições que nos proporcionaram questionável entretenimento, mas também nos fizeram refletir sobre questões sociais importantes que vão além das paredes da casa mais vigiada do país.

Nesta edição, as polêmicas e conflitos da casa nos revelam nuances profundas do racismo. Não dá para deixar de notá-lo em jogo neste experimento social e recorte da vida real, revelando uma teia complexa de racismo estrutural, preconceitos arraigados e falta de empatia que ecoam por toda a sociedade.

A forma desrespeitosa como Leydi, Yasmin e Wanessa trataram Davi é um reflexo doloroso das relações de poder e ódio que ainda permeiam nosso país. É sofrido ver como até mesmo entre negros podem surgir conflitos provenientes de diferenças.

Confesso que me vejo refletindo sobre minha própria jornada ao assistir a esses eventos. Já estive no lugar de Leydi, sim. Agora, antes que você pegue suas tochas virtuais e comece a marchar em direção à minha conta nas redes sociais, deixe-me explicar: Já ignorei minhas raízes (especialmente capilares) e contestei cotas raciais, cegada pela ilusão de uma suposta meritocracia. Já desconheci meus privilégios em ocupar e acessar lugares, enquanto minoria em colégio particular com poucas referências, das quais preferia não me aproximar. Já tive meus momentos de mais ignorância, já tive minhas opiniões mais equivocadas e já fiz escolhas das quais me arrependo profundamente…

Aprendi com o tempo a importância do diálogo, dos espaços e das oportunidades para que o negro possa ocupar seu lugar na sociedade. “Lugar de fala” que nem todos estão preparados para ocupar e, às vezes, é necessário um tempo que não se tem para assimilar e reconhecer. Então, sinceramente, entendo a Leidy e por ela tenho empatia. Entendo como viver em resistência cansa e é tão mais fácil cair na cilada da negação, do espelhamento e do costume uma vez que o sofrimento, a dor e a angústia nos afasta da raiz que origina o sofrimento, a dor e a angústia. Sei que todos cometemos erros e todos merecemos a chance de aprender e evoluir.

É essencial lembrar que quando Leydi deixar o programa não haverá uma equipe de relações-públicas correndo para limpar sua imagem. Não haverá pedidos públicos de desculpas, promessas de se tornar uma aliada antirracista ou patrocínios em sua direção. A compaixão do público que a fez querida na semana de apresentação dos participantes simplesmente não é direcionada a pessoas negras como ela, destacando a falta de apoio e oportunidades para quem e quando mais precisa.

Enquanto isso, Davi mantém sua calma e educação, mesmo diante das dificuldades. Sua postura nos ensina sobre resiliência e dignidade em momentos de conflito. Mesmo não concordando com todas as suas colocações, sua atitude é um lembrete poderoso de como agir de forma contrária às expectativas pode ser uma arma eficaz contra o racismo.

Não torço para que Davi vença o jogo, sei que ele já venceu. Torço para que Leydi saia da casa com uma nova perspectiva, pronta para aprender e crescer (precisa!). E para as 'sinhás' brancas que perpetuam o racismo sistêmico, desejo uma jornada de desconstrução e reflexão verdadeira. A mudança só pode acontecer quando estamos dispostos a confrontar nossos próprios privilégios e preconceitos.

Reconhecer e confrontar o próprio racismo é doloroso para todo mundo – é insano ouvir que “o negro é o mais racista” enquanto me pego atravessando a rua por reflexo de medo de um igual que é automaticamente vinculado a aspectos de violência –, mas necessário para avançarmos como sociedade.

É importante lembrar que a luta não é apenas dentro do reality show. A luta contra o racismo é urgente e inegociável, e cabe a cada um de nós, independentemente de cor ou posição, assumir a responsabilidade e fazer a nossa parte para construir um mundo mais justo e igualitário para todos. Pessoas negras continuam sendo vítimas todos os dias, e é nosso dever combater essa realidade.


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
laissousazn@gmail.com

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