Gorilas e Demônios do Brasil pós-Abolição

  • Laís Sousa

Anitta/Reprodução Clipe Oficial de Aceita
Anitta/Reprodução Clipe Oficial de Aceita

Na semana em que o 13 de maio rememora a abolição da escravatura, só mesmo um pandemônio virtual para lembrar que o Brasil continua lutando contra os demônios errados. Aqui estamos nós, mais uma vez, navegando pelos mares turbulentos da intolerância, onde as ondas da ignorância e do preconceito parecem ser enormes e não ter fim. Num país onde a liberdade de expressão é tão vasta quanto o horizonte, às vezes nos vemos em situações tão surreais que parece que até o absurdo pede arrego: Nesta semana, Anitta perder 200 mil seguidores ao compartilhar cenas em sua religião de matriz africana e Endrick comemorar um gol imitando gorila nos faz questionar o quão longe realmente chegamos na falta de estrutura que vem de longe, de longe, de lá…

Ah, a hipocrisia "cristã" que demoniza o que não entende e nunca quis entender. Esse “capeta” parece que ninguém anda preocupado em expulsar. O que para alguns seria apenas uma celebração da fé, para outros foi motivo de repulsa e desistência. Deixa eu adivinhar, essas pessoas também jogariam pedra na cruz, né? Sei lá. Me diz para quê o cão quer religião se, na língua desse povo, já fez pacto com meio mundo de artistas? O povo continua sendo induzido a escolher sua crença como quem escolhe o sabor do sorvete, mas, convenhamos, só acerta quem opta por baunilha, né? Enfim. Ouça e veja: Aceita!

E quem disse que o racismo se limita à religião? Endrick comemorando gol imitando primata é a prova menos inteligente de que a desumanização dos negros vem de longa data. Desde que a ciência, a filosofia e a religião cristã católica resolveram tirar tudo que nos fazia humanos, ficamos reduzidos a meros corpos sem alma, sem pensamento, sem evolução. Em pleno século XXI, em meio às lágrimas resistentes de Vinny Jr em campos europeus, ainda precisamos lembrar que associar pessoas negras a macacos é algo profundamente ofensivo?! Um moleque de 17 anos numa espécie Neymar 2.0 de araque, reforçar um estigma social construído para legitimar a opressão é de lascar, né não?! É como se a história se repetisse, mas agora com um toque de modernidade.

Vamos além do óbvio e pensemos nas abordagens pedagógicas. Para crianças, talvez a princesa Isabel com sua atuação alegórica na libertação dos negros não seja o melhor exemplo de abolicionismo. Por que não ensiná-las sobre os verdadeiros heróis negros da abolição, como Luiz Gama, Dragão do Mar e Teresa de Benguela? Afinal, como educar as crianças para a diversidade, se continuamos presos a uma história única e excludente que se limita a um único ponto de vista.

E por falar em pontos de vista, uns perdem seguidores por serem autênticos, outros perdem a noção por falta de educação e empatia. Enquanto alguns preferem se apegar a narrativas ultrapassadas e preconceituosas, outros buscam promover uma mudança real, uma mudança que começa na forma como contamos nossas histórias para além dos livros e respeitamos a diversidade religiosa e étnica do nosso país. A indústria cinematográfica, por exemplo, poderia dar sua contribuição mostrando a história e a importância das religiões de matriz africana, porque, se há espaço para mostrar virgens e anjos, por que não mostrar orixás e entidades? Demoníaco mesmo é usar a fé em benefício próprio para aglomerar mentes e ganhar dinheiro.

Em meio a tudo isso, fica a lição de que, mais do que cancelar ou criticar, é preciso educar e conscientizar. Que a abolição continue lembrando as ausências do passado para nos fazer refletir o presente e construir um futuro mais inclusivo e respeitoso para todos. É na tolerância que encontramos o verdadeiro sabor da liberdade!


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
laissousazn@gmail.com

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