Em Geraldo Sarno, Poções descobre sua identidade cinematográfica e Vitória da Conquista, uma outra referência

  • Fábio Agra

Geraldo Sarno em Poções, em 2013. Foto. Fábio Agra

Há três semanas, a filha de Geraldo Sarno, Paula Sarno, esteve em Poções. Conheceu um pouco da cidade em que seu pai passou a infância e conviveu com um ou dois dos quatro cinemas que já existiram lá.

Além de se mostrar encantada por estar em Poções, Paula nos trouxe a informação de que uma biografia de Geraldo Sarno está sendo escrita pelo jornalista e cineasta Piero Sbragia. Ela ressaltou que Poções certamente é parte do universo de Geraldo Sarno e que gostaria de fazer o lançamento do livro na cidade. Outra informação importante é que está sendo restaurado o curta Auto de Vitória, filme de 1966 e inédito ao grande público.

Sua visita me levou a refletir sobre a importância de Geraldo Sarno para Poções e Vitória da Conquista, sobretudo nos últimos dez anos, quando alguns projetos cinematográficos e debates sobre cinema foram realizados com Geraldo transitando entre os dois municípios.

Na nossa região foi filmado seu último filme lançado, Sertânia (2019). Foi nos seminários realizados dentro Programa de Pós-graduação em Memória e no curso de Cinema e Audiovisual da Uesb, além do Janela Indiscreta, que presenciamos diversos debates sobre a linguagem no cinema. Em Poções, Geraldo instigou a construção do Centro de Cultura Fedele Sarno, que já não está ativo, para ser um espaço de debate e de pensamento crítico, assim como estava fazendo em Vitória da Conquista, onde adquiriu uma casa no Bairro Brasil para implantar um projeto parecido. É com a vinda de Geraldo que temos hoje uma plataforma de pesquisa sobre sua obra com o site a Linguagem do Cinema.  

Geraldo Sarno foi homenageado em 2013 na II Mostra Cinema Poções e em 2014 recebeu homenagens na Mostra de Cinema de Conquista. Ainda em 2014, foi com Eryk Rocha, filho de Glauber Rocha, a Poções para exibir e discutir o recém-lançado filme Campo de Jogo (2014), de Eryk.

É a partir da presença constante de Geraldo Sarno em nossa região que uma transformação acontece no nosso próprio entendimento da linguagem do cinema, pois estávamos acompanhando de perto o fazer de um cinema pensado e crítico.

É a importância de Geraldo nos últimos anos para essas duas cidades e para o nosso cinema que me fez também pensar que há pouco mais de dez anos, nossa única referência de cinema era Glauber Rocha, e não era para menos. Seu cinema é colossal. Por isso, nosso maior gênio indomável dá nome a teatro, aeroporto e centro cultural em Vitória da Conquista.

Glauber Rocha inspirou cineastas, teve linguagem própria no cinema e, muitos anos depois de se tornar essa força, inspirou até cineclubes. Em 2008, por exemplo, em Poções, alguns amigos e eu coordenamos o Cineclube Tela em Transe, que se encerrou em 2014, e trazia no nome uma referência, obviamente, ao filme de Glauber, Terra em Transe.

Naquele momento, nosso pequeno conhecimento cinematográfico atingia apenas a luz mais brilhante do nosso cinema. E nos orgulhávamos muito de estar em uma mesma região em que o nosso dragão nasceu.

No entanto, como é a complexidade e vastidão do sertão e de suas estrelas, em Poções, especialmente, desde 2013, começamos a descobrir que a nossa referência cinematográfica teria um outro brilho tão pujante quanto Glauber, embora com linguagens diferentes, mas com a mesma potencialidade. Aqui volto para Geraldo Sarno, mas sem comparar obras e feitos com Glauber Rocha.

Nascido em Poções, em 6 de março de 1938, mesmo mês, mas um ano antes de Glauber Rocha, Geraldo Sarno é um marco também para o que se propunha o Cinema Novo ao gravar Viramundo (1964) e um dos grandes nomes do cinema documental que se aprofundou nas entranhas do sertão para filmá-lo e narrá-lo. Mas Geraldo não ficou cristalizado ali, algo que não foi possível a Glauber, que virou imortal com Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe, entre outros filmes importantes para nossa cinematografia, mas que morreu muito jovem em 22 de agosto de 1981, aos 42 anos.

Vitória da Conquista não teve a oportunidade de receber novamente Glauber Rocha. Já Geraldo Sarno, após mais de 50 anos de carreira, voltava a Poções e se fixava em Vitória da Conquista para nos entregar o potente e esplêndido Sertânia, exibido no Teatro Glauber Rocha, na UESB, em 2019, tantos outros projetos e criar uma rede de amigos que orbitava ao seu redor.

Nesse seu último longa, podemos debater e transitar pelas temporalidades da vida e entender que a vinda de Geraldo para Poções e Vitória da Conquista nos últimos dez anos nos dizia que sua obra e vida estavam sempre diante de nossos olhos, estavam sempre aqui no nosso sertão, embora fosse preciso escavar seu passado com sua presença para aprofundar e conhecer sua genialidade e, assim, tê-lo como referência.

Assim, por ainda não termos iniciado as escavações em 2008, que o Cineclube Tela em Transe fez referência a um filme de Glauber para dar nome ao projeto. Agora em 2024, com as escavações que o próprio Geraldo ajudou a abrir para a descoberta do seu cinema em nossa região, que o Cineclube retoma o projeto com o nome de Cine Geral Sarno.

A referência a Geraldo está em toda sua potencialidade como cineasta e pensador. Aqui não há a diminuição do gênio e importância de Glauber Rocha, mas sim a redescoberta de outro gênio nosso.

Às suas maneiras, Geraldo e Glauber andam lado a lado como nossas principais referências, uma em Poções e outra em Vitória da Conquista. Poções descobre sua identidade cinematográfica em Geraldo e Vitória da Conquista, mais uma referência.

Geraldo Sarno pulsava cinema, ideias e vida, mas nos deixou em 22 fevereiro de 2022 em plena atividade, como se estivesse florescendo para a juventude, com milhões de projetos na cabeça e com Poções e Vitória da Conquista em primeiro plano.

O que estar por vir, como nos informou Paula Sarno, sua filha, seja o filme inédito Auto de Vitória ou sua biografia, é Geraldo vivo, pujante e que certamente contribuirá a manter seu nome como nossa grande referência, tanto em Poções quanto em Vitória da Conquista.


Fábio Agra

Jornalista de formação e pesquisador nas áreas de refúgio, fronteiras e deslocamentos forçados. Atualmente é também professor substituto na UFRB.

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