Esse é um convite para que você leia essa coluna bem devagar

  • Ane Xavier

"Nesse panorama, o conhecimento não tem como ser vítima da ilusão, ainda que seja uma ilusão profundamente sedutora, com sua promessa de que a velocidade pode levar-nos à iluminação, de que é mais importante reagir do que pensar a fundo. Ler é um ato de contemplação… um ato de resistência num panorama de distração." – David Ulin

Nos últimos meses, percebi que terminar um livro se tornou cada vez mais difícil para mim. Não que meu amor pela leitura tenha diminuído, muito pelo contrário, mas a concentração, em uma realidade onde as tecnologias nos treinam para sermos continuamente interrompidos, se tornou um bem valioso e difícil de manter. Notei que, na internet, estou mais acostumada a saltitar de um texto para outro, e são poucos os que realmente prendem minha atenção. Afinal, é muito mais fácil decidir largar uma leitura na primeira linha, e, na infinidade de textos online, gastar horas lendo algo parece perda de tempo. Resultado: dos muitos textos rápidos que leio diariamente, são poucos os que realmente permanecem comigo a longo prazo.

O bibliotecário e jornalista Renato Pincelli define o leitor lento como um “nadador que para de contar o número de voltas que deu na piscina e apenas gosta de perceber como seu corpo se sente ao se mover na água”. A compreensão total da leitura ocorre justamente através da ideia de mergulhar nas palavras: lendo, relendo, marcando, fazendo perguntas e, em resumo, interagindo com o texto. As teias de sentido crescem à medida que o leitor se aprofunda no texto, toma-o para si, traz para sua realidade, conecta com outras obras literárias, e assim por diante.

No entanto, quando penso na minha realidade e no quanto estou inserida nas telas o tempo todo, seja para estudar, trabalhar, jogar ou escrever, percebo o quanto a leitura atenta se tornou cada vez mais contrastante com o meu cotidiano. Uma pesquisa feita pela Microsoft em 2013, muito antes de várias inovações tecnológicas, mostrou que os voluntários que usavam dispositivos digitais além da média apresentavam mais dificuldades de concentração em situações onde a atenção era mais exigida.

Nicholas Carr, escritor que aborda temas sobre a nossa relação com a internet e as redes sociais, e autor do livro The Shallows: what the internet is doing to our brains (traduzido como Geração Superficial: o que a internet está fazendo com nossos cérebros), afirma que “a divisão da atenção exigida pela multimídia estressa ainda mais nossas capacidades cognitivas, diminuindo nossa aprendizagem e enfraquecendo nossa compreensão. Quando se trata de suprir a mente com a matéria-prima do pensamento, mais pode ser menos”.

Carr também diz: “...logo injetamos em um livro links e o conectamos à web – tão logo o ‘estendemos’ e o ‘intensificamos’ e o tornamos mais ‘dinâmico’ – mudamos o que ele é e também mudamos a experiência de lê-lo. Um e-book não é um livro, da mesma forma que um jornal on-line não é um jornal”. Particularmente, discordo. Não acho que o avanço das inovações digitais vai extinguir a leitura atenta. Assim como o Kindle não acabou com os livros impressos, a tecnologia, quando usada corretamente, pode enriquecer a experiência de leitura.

Em seu artigo “O livro como prótese reflexiva” (que pode ser lido aqui), a professora Lucia Santaella afirma que “embora a leitura de um livro seja sequencial, a solidez do objeto-livro permite idas e vindas, retornos, ressignificações”. A leitura contemplativa faz com que os livros se tornem não somente marcantes, mas permanentes para nós. Arrisco dizer que um livro lido atentamente, no qual consigo rabiscá-lo, puxar setas, colar post-its, fazer anotações e visitá-lo novamente, equivale, a longo prazo, a dez livros de leitura rápida e despretensiosa.

Enquanto leitora, às vezes quero ler de forma rápida e descompassada, apenas para terminar um livro logo e usar meu tempo para concluir as dezenas de outras tarefas que eu deveria estar fazendo. Nesses momentos, tento me lembrar continuamente da importância da qualidade sobre a quantidade das páginas lidas e me policio para que nenhum meio de distração fique em contato comigo enquanto estou lendo. Desligar as notificações do celular e deixá-lo longe de mim parece ser o método mais eficaz até agora. Nos primeiros minutos, a leitura pode parecer entediante e massiva, mas no final, nunca me arrependo de ter me desconectado. Ao concluir cada livro, me dou conta de que, mesmo em uma era em que o movimento excessivo é vangloriado, ainda há tempo para uma leitura lenta e contemplativa.


Ane Xavier

Estudante de Jornalismo e Ciência Política, apaixonada por comunicação e sempre com um livro em mãos. Também fala sobre leituras no instagram @booksbyane.

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