Wabi-sabi: a Imperfeição é parte do ser — e há beleza nisso

Como esse conceito japonês se relaciona com a forma como consumimos livros e vivenciamos a literatura

Ouça, Virgínia, é preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher as rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas. — Lygia Fagundes Telles, Ciranda de Pedra

Já mencionei isso anteriormente aqui no Entre Linhas, mas repito: um fato curioso sobre a língua japonesa é que nela existe uma palavra para descrever praticamente qualquer coisa. Minha descoberta do dia se chama wabi-sabi (侘び寂び). A palavra wabi (侘) significa "rústico" ou "imperfeito", enquanto sabi (寂) remete à passagem do tempo. Esse conceito deriva dos ensinamentos budistas sobre as três marcas da existência, também conhecidas como os "três selos do Darma": anicca (impermanência), dukkha (insatisfação ou sofrimento) e anatta (não-eu, ou seja, a ausência de um “eu” permanente).

Falando de uma forma menos técnica, wabi-sabi é a compreensão de que a beleza das coisas está na imperfeição e na aceitação de três princípios básicos: nada é permanente, nada é completo por si só e nada é perfeito. Esse conceito se alinha ao estilo de vida slow living (viver de forma mais desacelerada). Apesar de já ter escrito uma coluna sobre isso, este não será um texto sobre as Melhores Maneiras de Viver a Vida™, mas sobre como consigo relacionar o wabi-sabi com minha experiência como leitora.

Um dos pilares do wabi-sabi é a impermanência: tudo muda e precisa mudar, pois a transformação é uma maneira de celebrar a passagem do tempo. Acho que esse conceito deve ser levado em consideração diante dos discursos que defendem o livro como um objeto intocável, limpo, sem marcas. As marcas, na verdade, são provas de que cada leitura carrega uma história diferente. 

Também gosto de relacionar o wabi-sabi ao ritmo imperfeito que a literatura carrega consigo. Já me peguei inúmeras vezes comparando meu ritmo de leitura com o de outras pessoas do mesmo nicho, que devoram 60, 70 livros por ano. Criam metas inalcançáveis, leem no automático, passam de um livro para o outro sem pausa, como se o valor da leitura estivesse apenas na quantidade. E eu já tentei acompanhar esse ritmo — e falhei miseravelmente, risos.

O wabi-sabi me lembra que a literatura não precisa ser linear, impecável ou produtiva. Ela pode ser lenta, imperfeita, cheia de pausas e anotações tortas nas margens. Afinal, ler é um ato de presença, e talvez a beleza esteja justamente nisso: aceitar que cada livro tem seu próprio tempo e que cada leitura nos transforma de maneiras inesperadas. Já não somos a mesma pessoa de um dia, uma hora ou um minuto atrás. 

Deus me livre da padronização da rotina, da massificação da minha leitura, de transformar páginas em números e histórias em metas frias. O imperfeito é real, e é nesse espaço que a leitura se torna genuína.


Ane Xavier

Estudante de Jornalismo e Ciência Política, apaixonada por comunicação e sempre com um livro em mãos. Também fala sobre leituras no instagram @booksbyane.

Comentários





Instagram

Facebook