Calçadas sem rampas, falta de sinal sonoro em faixas de pedestres e piso tátil que leva ao poste são alguns dos tormentos para quem precisa de acessibilidade em Vitória da Conquista

  • Thaty Miranda
  • Atualizado: 25/03/2024, 10:13h

A acessibilidade é um direito das pessoas com deficiência (PCDs), pois ela é que vai garantir que vivam de maneira autônoma. Os meios de transporte, os estabelecimentos, as empresas, os órgãos públicos e as calçadas devem estar adequados, para que essas pessoas tenham reconhecida a sua cidadania de forma plena. No entanto, o que se percebe em muitos ambientes em Vitória da Conquista, assim como em outras cidades do país, é uma realidade desfavorável aos que convivem com alguma deficiência.

A ausência de rampas, como no cruzamento da Avenida Siqueira Campos com a Rua João Pessoa, onde só há uma rampa mal projetada em frente à Igreja Batista Betel, calçadas esburacadas ou com piso tátil que leva ao poste, como na Travessa Zulmiro Nunes, elevadores quebrados nos ônibus coletivos e a falta de um sistema sonoro nos semáforos, são alguns dos problemas vistos nas ruas do Centro da cidade e que dificultam a vida de cadeirantes e de quem é cego ou tem baixa visão.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015, define, no Inciso I, do seu artigo 3°, a acessibilidade como “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive, seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida”.

Acessibilidade em Vitória da Conquista

Em Vitória da Conquista, são muitos os desafios para quem tem algum tipo de deficiência. Para Karoline Rodrigues Quaresma, presidente da Associação Conquistense de Integração do Deficiente (ACIDE) e cega, a realidade é bem ruim. “Em Vitória da Conquista, hoje, falo agora não como presidente de associação, mas como usuária do transporte público e moradora da cidade, a acessibilidade é precária”, declara Karoline.

O piso tátil da Estação de Transbordo Herzem Gusmão é outro problema. O que deveria facilitar a vida de quem necessita utilizá-lo tem sido usufruído pela população em geral como guia para a formação das filas para entrada nos veículos. “Eu não sei se é o piso tátil que está no lugar errado ou se as pessoas não querem entender, por sua própria ignorância”, desabafa Karoline. “Isso é muito chato. Todo dia recebo xingão, porque vou descer do ônibus e bato a bengala nas pessoas”.

Ainda de acordo com Karoline Rodrigues, a situação das calçadas na cidade é lamentável, pois existem vários tipos de obstáculos para deficientes visuais e cadeirantes: placas, lixeiras, cadeiras de bar, carrinhos de frutas de vendedores ambulantes, etc. “Ali no centro são aquelas máquinas de lavar das lojas que ficam todo no meio do passeio. É rack, é a zorra toda, é colchão. Aí a gente que não enxerga, cai por cima mesmo”. Além disso, há também algo inimaginável e que foi constatado pela equipe da Mega Rádio e que havia sido dito por Karoline à nossa reportagem. “A gente tem piso tátil que leva a pessoa com deficiência para o poste”, diz a presidente da ACIDE. 

 

Piso tátil na Travessa Zulmiro Nunes que leva a um poste. Foto: Danilo Souza

 

Os relatos de Karoline podem ser confirmados também por Alexandre Pereira, advogado especialista em direito processual e direito público, professor de direito eleitoral, ex-vereador de Vitória da Conquista por quatro mandatos consecutivos (de 1997 a 2012) e cadeirante, que ressalta que acessibilidade para quem tem deficiência na cidade ainda deixa muito a desejar. “A gente tem que reconhecer que são muitos os desafios, porque nós temos calçadas que não são absolutamente preparadas, com postes sobre elas, mesas, e tantas situações que impedem a livre circulação das pessoas com deficiência, e que a calçada possa cumprir o seu papel”, afirma o advogado.

Alexandre Pereira destaca entre as dificuldades que enfrenta no seu dia a dia, a falta de consciência de muitas pessoas. Ele diz que é comum encontrar, nas vagas adaptadas para pessoas com deficiência, veículos de pessoas que não preenchem esse requisito, ou seja, quem pode estacionar nas vagas comuns, ocupando as especiais.

Por outro lado, o ex-vereador pontua que houve avanços e hoje em dia a situação é diferente de quando ele estava no seu segundo mandato de vereador, entre os anos de 2001 e 2004. “Nós temos observado que, por exemplo, as unidades escolares, tanto do Estado, quanto do Município, que não eram adequadas para pessoas com deficiência, hoje a gente percebe que a realidade melhorou substancialmente. E há rampas em vias urbanas, que também não existiam”.

Quanto às iniciativas para garantir melhores condições de mobilidade e segurança para os PCDs, Alexandre Pereira destaca a aprovação do Novo Código de Uso e Ocupação do Solo Urbano (antigamente chamado de Código de Obras), Lei Municipal de n° 1.481/2007 que impõe uma série de obrigações, relativas à acessibilidade, de todas as construções destinadas a atender ao público.

“Colocamos também disposições legais, no sentido de assegurar a adaptação, ainda que parcial, na frota urbana de transporte coletivo, que foi outro avanço importante” declara o ex-vereador. Ele afirma, ainda, que não se tinha acessibilidade nos bancos, e que a situação foi resolvida, assim como em outros estabelecimentos.

“Graças a essas iniciativas, tantos outros lugares, ainda que privados, estabelecimentos comerciais, hoje, são obrigados a ter rampas, banheiros adaptados, tudo isso aí são conquistas da nova legislação aprovada no período do nosso mandato na Câmara de Vereadores”.

No entanto, há ainda muito a avançar. Em relação à acessibilidade nos serviços de saúde ofertados pelo Município, também há queixas de Karoline Rodrigues, que sente falta de um sistema sonoro para chamar as senhas, por exemplo, no Laboratório Central Municipal (LACEN) e de intérpretes de libras para deficientes auditivos.

Sobre a necessidade de acessibilidade através de sinal sonoro, a diretoria do LACEN respondeu à nossa equipe de reportagem e disse que o sistema será instalado, mas ainda não há previsão, por conta da demanda ocasionada pelo surto de dengue no município.

Assim como não há a emissão de sinal sonoro no LACEN, falta também botoeiras para emitir sinal sonoro que auxiliem pessoas com mobilidade reduzida e pessoas com deficiência nas travessias com faixa de pedestres, como no já citado cruzamento da Siqueira Campos com a João Pessoa. Na cidade não há em nenhuma faixa de pedestres botoeiras com sinal sonoro.

Karoline Rodrigues afirma, ainda, que há constante diálogo com o poder público municipal, mas sem resolução. “Já fizemos reuniões e reuniões com o pessoal da Associação das Empresas do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Vitória da Conquista (ATUV), com o pessoal da Secretaria de Mobilidade Urbana, mas sempre é zero a zero. O placar não muda”, desabafa.

 

Cruzamento da Siqueira Campos com a João Pessoa. Há apenas uma rampa mal projetada em um dos acessos à calçada
e não há botoeiras com sinal sonoro próximo à faixa de pedestres. Foto: Danilo Souza
 

Alexandre Pereira aponta para a necessidade de fiscalização por parte do Município, por exemplo, no caso de estabelecimentos comerciais novos, que descumprem as exigências legais. “A legislação que impõe a obrigatoriedade de existirem essas adaptações, ela está aí, mas cabe ao Poder Público Municipal, especialmente ao Poder Executivo, fazer cumprir essa legislação. É isso que a sociedade e a imprensa precisam estar vigilantes para cobrar”.

O advogado ainda afirma que mais do que aprovar novas leis é necessário garantir a eficácia daquelas que já existem, e destaca a importância de uma ação conjunta dos poderes públicos municipal, estadual e federal, mas sobretudo o municipal que, segundo ele, é que tem o dever de fiscalizar as normas de posturas municipais e pode agir de forma conjunta com o Ministério Público, dentro de sua função institucional.

“Penso que esse é o caminho que devemos seguir para avançar nessa questão da acessibilidade, sem perder de vista que é necessário que as entidades que congregam esse seguimento da sociedade continuem mobilizadas” declara Alexandre. Ele reconhece que foi exatamente esse poder de cobrança e as reivindicações que garantiram algumas conquistas para os PCDs, e conclui que ainda há grandes desafios pela frente, no sentido de proporcionar que as futuras gerações tenham condições bem melhores do que aquelas nas quais ele viveu desde a infância.

O vereador e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara de Vereadores, Alexandre Xandó (PT), também enxerga como problemática a questão da acessibilidade na cidade. Ele afirma que os problemas já começam pelo Poder Legislativo.

“Nós temos uma Legislação Municipal que aponta que, obrigatoriamente, em eventos oficiais, tem que ter intérprete de libras. A Prefeitura cumpre essa lei, mas a própria Câmara de Vereadores não”, desabafa. “Eventualmente, nas audiências públicas, no Dia do Surdo, é que nós vamos ter ali algum intérprete, mas em regra não tem”.

O vereador afirma que já fez denúncias ao Ministério Público, já cobrou da Presidência da Casa e que também provocou a Associação de Surdos de Vitória da Conquista (ASVC), para que entrasse com uma ação civil pública, mas a situação permanece a mesma.

“Infelizmente essa segue sendo a realidade da nossa Câmara, que teve aumento de verba de gabinete, ou seja, aumento de valores para contratação de assessores. A gente tá tendo agora, aqui, o aumento de mais dois vereadores, mas ainda assim não se contrata ou se abre um concurso para intérprete de libras, o que para mim é um absurdo”, destaca Xandó.

Quanto à ausência de intérpretes de libras nas sessões da Câmara de Vereadores de Vitória da Conquista, a Assessoria de Comunicação da Casa disse à nossa equipe de reportagem que no próximo concurso haverá vagas para admissão desses profissionais, contudo, não há previsão de quando ocorrerá a seleção.

À frente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara de Vereadores desde o ano passado, Alexandre Xandó explica que ela tem uma atuação muito pautada pela população, que faz inúmeras denúncias, principalmente com relação às dificuldades enfrentadas pelos PCDs. O vereador avalia que essas dificuldades ocorrem por falta de eficácia das leis, e enxerga falha na atuação do Ministério Público.

“Na minha opinião, o próprio Ministério Público, que teria o poder forte para tencionar, cobrar, apontar medidas perante os órgãos, chamar para fazer termo de ajustamento de conduta, a gente vê que acaba ficando tímido, né, com relação a esse tema”, afirma o vereador.

Já o que cabe à Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara, de acordo com Xandó, tem sido feito. “O que a gente pode fazer é cobrar, é denunciar, mas infelizmente o nosso poder é limitado”.

A Mega Rádio tentou falar com o secretário de Infraestrutura Urbana, Jackson Yoshiura, com o coordenador de Transporte Público, Sérgio Hubner, e também com a secretaria de Mobilidade Urbana, que consta no site da Prefeitura o advogado Lucas Dias à frente da pasta, seja através da secretaria de Comunicação ou diretamente com os secretários e coordenador, e mais uma vez não tivemos retorno, assim como tem ocorrido com outras pautas quando necessitamos de informações do Poder Executivo.

Nosso contato seria para ter informações sobre o que tem sido feito para melhorar a acessibilidade nas ruas do município, como se dá a fiscalização e também sobre os elevadores para cadeirantes nos ônibus do transporte público, além da instalação de botoeiras próximo à faixa de pedestres.

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