IX Encontro de Escritores debate mercado editorial e produção literária no Nordeste
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Da esq. à dir.: Flávia Assunção, Luis Altério, Lídia Cunha, Ana Luz e Ybeane Moreira. Foto: Ane Xavier
Na noite desta quinta-feira (6), o IX Encontro de Escritores reuniu autores, artistas e leitores no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, em Vitória da Conquista. Com o tema "Mercado Editorial e Produção Literária no Nordeste", o evento promoveu discussões sobre os desafios e as oportunidades para escritores da região, além de valorizar a literatura conquistense.
A programação teve início com uma mesa de discussão mediada por Ybeane Moreira, que contou com a participação dos escritores Ana Luz, Annie Bonny (T.S.K A.C.E), Flávia Assunção (Fundação Lírio Negro), Lídia Cunha e Luís Altério (Nzamba Editora). O debate abordou a circulação de livros independentes, os obstáculos da publicação no cenário editorial e a relevância da literatura local para a identidade cultural do Nordeste, além de discutir iniciativas que ampliem o acesso à leitura.
A produção literária no Nordeste enfrenta desafios estruturais, como a falta de investimentos no setor editorial e dificuldades de distribuição e acesso ao público. O mercado editorial brasileiro, ainda concentrado no eixo Sul-Sudeste, apresenta barreiras para escritores nordestinos que buscam espaço em um cenário competitivo. Além disso, a digitalização e as mudanças nos hábitos de leitura criam novas dinâmicas de consumo, o que levanta questões sobre a sustentabilidade e o futuro da literatura regional.
Luis Altério, escritor e editor da Nzamba Editora, afirmou que o maior desafio na produção de um livro começa pelo próprio texto. Para ele, é imprescindível que a obra tenha uma linhagem literária bem definida, seja bem escrita e apresente um bom uso da língua portuguesa, ainda que de forma inventiva. "Desde que a sequência e o ritmo tenham qualidade, esse é o primeiro ponto", explicou. Além disso, enfatizou a importância de uma capa adequada ao conteúdo da obra. Após essa etapa, o processo segue para os lançamentos, momento em que o autor precisa ser criativo na apresentação do livro. "E aí, resta rezar, entre aspas, para que o livro seja vendido e, principalmente, lido", concluiu.
Da esq. à dir.: Annie Bony, Flávia Assunção, Luis Altério, Lídia Cunha, Ana Luz e Ybeane Moreira. Foto: Ane Xavier
Outro tema debatido foi o consumo de livros pela população brasileira. Lídia Cunha, professora, escritora e representante da Nzamba Editora trouxe à mesa dados publicados pela PublishNews sobre a 2ª edição do Panorama do Consumo de Livros, divulgada nesta quinta-feira (6) pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Nielsen BookData. A pesquisa revelou que 84% da população brasileira não comprou nenhum livro nos últimos 12 meses. Além disso, os dados apresentados por Lídia Cunha destacaram o aumento no preço dos livros como um fator desmotivador para a compra.
No entanto, um dado curioso evidenciado pela professora é que, apesar do aumento nos preços dos livros, as principais plataformas de venda de livros no Brasil, como Amazon, Mercado Livre, Livraria Leitura e Estante Virtual, observaram um crescimento nas vendas de obras literárias.
Flávia Assunção, escritora e representante da Fundação Lírio Negro, esteve presente na mesa de debate e ressaltou a importância de ocupar espaços e dialogar sobre literatura. Para ela, a literatura vai além da escrita e está profundamente ligada à oralidade. "Damos voz e também ouvimos outros movimentos, e é essa troca que amplia e fortalece a manutenção da literatura", afirmou.
Criada em 5 de setembro de 2023, a Fundação Lírio Negro de Literatura e Pesquisa Independente tem como objetivo conectar autores e editores, além de incentivar a produção e divulgação de trabalhos voltados para a população negra e periférica. A iniciativa foca especialmente em mulheres e na comunidade LGBTQIAP+, e promove a valorização dessas vozes no cenário literário.
Além do fortalecimento de novas narrativas, o debate ressaltou a importância do livro como objeto cultural e sua relação com o acesso ao conhecimento. Nesse cenário, os participantes destacaram a necessidade de reconhecer diferentes formas de leitura, especialmente em um país onde grande parte da população não tem esse hábito.
A escritora Ana Luz afirmou que o livro deve ser elevado a uma categoria superior, pois sua existência carrega um valor estético e simbólico essencial para todos que fazem parte da cadeia do livro. "Se esse objeto-livro perde força, nós também perdemos força enquanto seres humanos", afirmou. Para ela, a produção da linguagem e a representação do mundo, desde as pinturas rupestres até a complexidade da escrita, são elementos fundamentais da experiência humana. "Não podemos abdicar do objeto-livro de forma alguma", concluiu.
Da esq. à dir.: Flávia Assunção, Luis Altério, Lídia Cunha, Ana Luz e Ybeane Moreira. Foto: Ane Xavier
A mediadora do debate, Ybeane Moreira, destacou que o evento evidenciou a diversidade da cena literária local e proporcionou um espaço importante para fortalecer a literatura nordestina. Segundo ela, encontros como esse "não apenas promovem o intercâmbio de ideias, mas também fortalecem a rede de apoiadores da literatura nordestina", criando oportunidades para escritores, editores e leitores se conectarem.
Ainda sobre os desafios do setor, Ybeane ressaltou a importância de valorizar as narrativas regionais, enfatizando que a literatura nordestina precisa ser "celebrada e amplificada". Diante da digitalização e das mudanças nos hábitos de leitura, ela reforçou que é fundamental "construir uma identidade literária forte, que ressoe não apenas nas páginas dos livros, mas também na vida das pessoas". Para ela, ao compartilhar histórias e unir esforços, é possível inspirar novas gerações e garantir que a produção literária do Nordeste continue a prosperar.
Ybeane Moreira, escritora e mediadora da mesa de debate do IX Encontro de Escritores. Foto: Ane Xavier
Após o debate, o público participou de um sarau com microfone aberto, onde apresentou poesias, textos e performances. O evento também contou com um espaço para exposição e venda de livros de autores locais, incentivando a interação entre escritores e leitores e fortalecendo a produção literária regional.
A coordenadora da Biblioteca Comunitária Dona Raça, Juliana Brito, destacou a importância do encontro como um espaço de troca e aprendizado. Para ela, "não basta pensar apenas na escrita, mas também na circulação, produção e no próprio livro como objeto".
"Foi uma noite muito especial, que trouxe essas experiências e agregou muito", afirmou. Juliana também mencionou um momento marcante do sarau: nos bastidores, muitas pessoas hesitaram em se apresentar, mas viram no encontro uma oportunidade para vencer a timidez e compartilhar suas obras ou declamar textos de outros autores. "Eles falavam coisas como ‘eu vim justamente para enfrentar a timidez’, e foram ótimos", contou.
Livros de autores conquistenses tiveram um espaço reservado para a venda no evento. Foto: Ane Xavier
O IX Encontro de Escritores foi organizado pelo Grupo de Escritores Conquistenses, sob a coordenação de Noi Soul, e teve apoio do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima e do Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura.