Os Idiotas, o Chapéu e o Futuro da Humanidade
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Donald Trump, de volta ao poder, mais parece aquele ex que você jurava que não veria nunca mais, mas que aparece renovado, com discurso ensaiado e o mesmo perfume barato de autoritarismo. A posse de seu segundo mandato foi tão cheia de símbolos quanto de temores — com direito a discursos inflamados, apoiadores histéricos e um casaco tão fechado que a pobre Melania parecia um decreto ambulante.
[Deus queira que a justiça “inelegível” seja de fato “imbroxável” por aqui]
E aí está: a política como espetáculo. A moda como metáfora. O casaco como trincheira. O chapéu como escudo. Poderíamos ficar horas discutindo o que Melania tentou nos dizer com aquele look. Estava resignada? Cúmplice? Entediada? Aprisionada? Não saberemos. Mas é fato que, enquanto ela cruzava as mãos num gesto quase defensivo, o mundo assistia a outro gesto ainda mais perigoso: o avanço neonazista de um projeto que faz do autoritarismo uma moda — só que sem a elegância de um Dior.
[Enquanto isso, impedida de entrar no Congresso, Michele assiste à posse de Trump em telão fora]
E aí me vem à mente a frase imortal de Nelson Rodrigues: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.” Difícil discordar quando você percebe que as redes sociais vem sendo um campo de batalha ideológica. Trump, Zuckerberg, Musk e Bezos rindo juntos na posse simbolizam exatamente isso: a transformação da política em entretenimento, onde os interesses deles (e apenas deles) dão as cartas enquanto o resto do mundo assiste, passivo, ou briga nos comentários de uma postagem.
A grande tragédia, no entanto, não está só na ascensão dos idiotas, mas na falta de respostas inteligentes. A resistência, tão necessária, às vezes padece cansada do “tanto”. Enquanto Trump discursa com frases curtas e carregadas de ressentimento — o fast-food do populismo —, quem tenta combatê-lo oferece análises muitas vezes inacessíveis. É como se estivéssemos numa briga de espada onde o outro lado só usa memes. E, infelizmente, memes pesam, especialmente na ironia que fez ecoar 'Y.M.C.A.', ícone da cultura gay.
Mas e nós, os que observamos tudo isso enquanto tomamos nosso chá (ou vinho) em casa? Cá pela América Latina… Que papel nos cabe? A verdade é que, para além do caos lá fora, também temos nossa própria responsabilidade. Afinal, clicar é um ato político. Compartilhar, mais ainda. Nossa busca por informação, ou a ausência dela, ajuda a moldar o que é possível no mundo real. E é exatamente aí que mora o perigo: os idiotas são muitos, sim. Mas eles também se proliferam pela comunicação.
Então, se a moda é política — como sugere o casaco fechado de Melania —, talvez esteja na hora de abrirmos nosso guarda-roupa ideológico e avaliarmos se não estamos vestidos para a ocasião errada. Porque, como Simone de Beauvoir bem alertou: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que o direito das mulheres seja questionado.” E, convenhamos, quando o autoritarismo volta a ditar tendências, não há chapéu que esconda o estrago.
O futuro está em jogo, mas a boa notícia é que ainda podemos decidir se seremos protagonistas ou plateia. Que a gente saiba escolher. E, por favor, sem chapéus que nos impeçam de olhar nos olhos uns dos outros.
Laís Sousa
Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!@laissousa_
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