Assassinato de Marielle segue sem solução após 4 anos e 5 delegados

Assassinato de Marielle Franco ainda é um mistério para a polícia e justiça brasileiras

Foto: Divulgação


Cinco delegados da Polícia Civil e ao menos dez promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro ainda não conseguiram responder à pergunta repetida em protestos: quem mandou matar Marielle Franco?

A vereadora e o motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros há quatro anos, na noite de 14 de março de 2018, em emboscada no centro do Rio. Nos dias seguintes ao crime, também teve início uma campanha difamatória, com fake news sobre relações que jamais existiram entre Marielle e traficantes.

Os ex-policiais militares Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos, e Élcio de Queiroz, acusado de dirigir o carro usado no crime, foram presos em março de 2019 e se tornaram réus pelo homicídio de Marielle. Desde então, as autoridades tentam identificar possíveis mandantes do assassinato.

Ao longo de quatro anos, porém, as investigações foram marcadas por tentativas de obstrução, pistas falsas e frequentes trocas no comando do inquérito, observadas com preocupação pela família e instituições de defesa dos direitos humanos. Apenas no último ano, dois delegados já estiveram à frente da apuração na Polícia Civil.

O momento de maior insegurança em relação ao andamento do caso ocorreu em julho do ano passado, quando as promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile deixaram, a pedido, a força-tarefa que investigava o assassinato. As duas acompanhavam a apuração desde 2018 e foram responsáveis pela linha de investigação que levou às prisões de Lessa e Queiroz.

Para além da preocupação do afastamento de duas promotoras que conheciam o caso de perto, o contexto da saída acendeu um alerta. À época, o jornal O Globo noticiou que ambas entregaram os cargos diante do risco de interferências externas.

Sibilio e Emile se sentiram alijadas da negociação do acordo de colaboração premiada de Júlia Lotufo, viúva do miliciano Adriano da Nóbrega, que teve parentes empregados no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL) quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Adriano foi morto em 2020 no município de Esplanada (BA) em operação das polícias baiana e fluminense.

Embora o homicídio de Marielle estivesse na pauta do pretenso acordo, Lotufo foi primeiramente ouvida pela Polícia Civil sem que o delegado e as promotoras responsáveis pelo caso tivessem conhecimento.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, a tese da viúva era a de que o crime fora encomendado por um consórcio de contraventores. Ela participou de oitiva no Ministério Público em junho de 2021, quando as promotoras teriam apontado inconsistências em sua narrativa. Dias depois de um novo depoimento de Lotufo, Sibilio e Emile deixaram as investigações.

Ao mesmo tempo, o delegado Moysés Santana também deixou a investigação do assassinato, e o inquérito na Polícia Civil passou para o seu quarto delegado, Henrique Damasceno.

A turbulência naquele mês levou à manifestação de políticos e organizações da sociedade civil nas redes sociais. Familiares de Marielle lançaram a campanha Interferência Não e protestaram em frente ao Ministério Público com cartazes como "Quem está interferindo no caso Marielle e Anderson?".

Também nasceu ali o Comitê Justiça por Marielle e Anderson, hoje composto pelo Instituto Marielle Franco, pela viúva de Marielle, a vereadora Monica Benício (PSOL), pela viúva de Anderson, Agatha Reis, e pelas organizações Justiça Global, Anistia Internacional Brasil, Coalizão Negra por Direitos e Terra de Direitos.

Irmã de Marielle, Anielle Franco diz que o afastamento das promotoras foi "um momento bem preocupante". "Tínhamos sim bastante confiança nas promotoras que estavam acompanhando desde o início. Mas pressionamos o Ministério Público e o Procurador-Geral de Justiça por respostas e ele nos assegurou que não haveria interferências."

Questionado por email pela reportagem, o promotor Bruno Gangoni, coordenador do Gaeco e da força-tarefa que investiga o assassinato de Marielle e Anderson, respondeu que "não houve qualquer ruptura nas linhas de investigação".

Perguntado sobre as principais dificuldades no avanço da apuração, Gangoni escreveu: "A identificação do mandante de qualquer homicídio é sempre mais complexa que a do executor. Em se tratando de um crime onde os executores são profissionais, que foram policiais militares, que sabem como se investiga, torna-se ainda mais difícil". A Polícia Civil não respondeu aos pedidos de entrevista.

A viúva de Marielle diz que o crime foi, infelizmente, muito bem executado, mas pondera que "não há crime perfeito" e questiona se há, de fato, interferências externas sobre a investigação.

"É inaceitável chegar a quatro anos sem resposta. Ou há uma incompetência, uma inabilidade muito grande dos órgãos envolvidos, ou a gente pode acreditar que existe uma força maior por trás disso tudo que impede que o caso seja elucidado. Aí a pergunta seria: a quem interessa que o caso Marielle não seja esclarecido?", afirma.

"O que a gente diz para a sociedade brasileira e internacional é que hoje, no Brasil, existe um grupo político capaz de assassinar como forma de fazer política, na certeza da impunidade."

Para marcar o tribunal do júri que avaliará a alegada participação de Lessa e Queiroz no duplo homicídio, o juiz da 4ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ainda aguarda o julgamento de recursos apresentados pela defesa dos acusados no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ambos alegam inocência.

Há dois anos o magistrado Gustavo Gomes Kalil emitiu a sentença de pronúncia contra os réus, ou seja, considerou haver indícios de envolvimento de ambos em um crime doloso contra a vida e, assim, decidiu que o processo deveria ser julgado por um tribunal do júri. Desde então, a defesa dos acusados já recorreu duas vezes no próprio TJ-RJ.

Como o STJ ainda não se manifestou sobre o recurso, o juiz decidiu esperar para agendar o júri.

"Sem a segurança jurídica da confirmação ou não da pronúncia e de todas as qualificadoras, todo o trabalho do Tribunal de Justiça para a realização do júri poderia ser em vão, havendo um gasto desnecessário de recursos financeiros e humanos por parte do TJ, pois caso o julgamento pelos tribunais superiores resulte em alteração ou reforma da sentença, o júri poderia ser anulado", respondeu à reportagem a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio.

O Comitê Justiça por Marielle e Anderson se reuniu na última quinta (10) com Rogerio Schietti, ministro do STJ, para pedir agilidade no julgamento do recurso, assim possibilitando o agendamento do tribunal do júri, caso a defesa dos réus não tenha sucesso no pleito junto à corte.

Integrantes do comitê também se encontraram na quarta (9) com o delegado Alexandre Herdy, que em fevereiro assumiu as investigações.

Segundo Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, o objetivo foi expressar a preocupação pela demora na elucidação dos mandantes e pelas trocas no comando do inquérito. Advogada do Instituto Marielle Franco, Brisa Lima afirmou que o delegado alegou que as mudanças ocorreram por "questões internas".

Nesta segunda (14), haverá uma reunião com o governador Cláudio Castro (PL) no Palácio Guanabara.

Pela manhã, as famílias de Marielle e Anderson farão uma ação em frente ao Tribunal de Justiça, exigindo que seus advogados possam acessar os autos, que estão sob sigilo.

"Em muitos casos semelhantes no mundo, a abertura das investigações para os advogados de defesa fez a diferença para a resolução. Já faz mais de quatro anos que não temos respostas e nossos advogados precisam ter acesso para que possamos buscar justiça", afirma Anielle Franco.

Folhapress

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