A Inteligência Artificial não poderia, não pode e nunca poderá emular a arte
A Viagem de Chihiro. Foto: Reprodução/Studio Ghibli
Recentemente uma das trends que mais viralizou nas redes sociais foi a geração por Inteligência Artificial (IA) de imagens simulando o estilo único do Studio Ghibli, um estúdio japonês de animação responsável por filmes como A Viagem de Chihiro (2001), Meu Amigo Totoro (1988), O Castelo Animado (2004), O Menino e a Garça (2023), dentre outros.
Não é de hoje que essa geração automatizada se torna uma controvérsia no debate público, e conforme o tempo passa, fica mais difícil de se distinguir o que é real e o que é gerado por um prompt. Mas diferente da foto do papa com roupas de luxo, que repercutiu em 2023, a reprodução de um estilo artístico é muito mais problemática, ainda mais se tratando do grande estúdio que permanece resistente às tecnologias e ainda persiste na animação em 2D clássica.
Pelo fato do estilo de animação ser uma coisa mais complexa do que filmes em sua individualidade, legalmente falando, uma reprodução inspirada não costuma ser crime. Ainda não há clareza sobre quais métodos foram utilizados para treinar os modelos de IA, o que levanta preocupações sobre um uso não autorizado de obras protegidas por direitos autorais para alimentar o banco de dados dos geradores de imagem.
Complementar à greve dos roteiristas de Hollywood em 2023, esse caso denuncia o estado que a indústria cultural se encontra no momento. A criatividade tem sido cada vez mais substituída por soluções rápidas e fáceis, além de que o trabalho artesanal tem perdido força por conta das demandas que o mercado impõe a produtos que, teoricamente, deveriam levar seu próprio tempo para serem concebidos.
O fator Hayao Miyazaki
E se eu lhe dissesse que esta curta cena, de apenas 4 segundos demorou 1 ano e três meses para ser feita? Você acreditaria?
Reprodução: Studio Ghibli
O co-fundador e principal nome do Studio Ghibli, Hayao Miyazaki, é um homem que não poupa nem o menor dos esforços para as suas obras. O filme em questão é Vidas ao Vento (2013), em que Miyazaki dirigiu e roteirizou, enquanto que a animação estava encarregada por Eiji Yamamori, que fez toda a sequência desenhada à mão e pintada em aquarela.
Outro exemplo de como o diretor leva à sério essa filosofia artística está na produção de Princesa Mononoke (1997), em que estima-se que o cineasta supervisionou pessoalmente cada uma das cerca de 144 mil células de desenho, tendo inclusive redesenhado partes de aproximadamente 80 mil delas.
O argumento da desvalorização do trabalho humano por meio da IA é destacado pelo diretor. “Sinto fortemente que isso é um insulto à própria vida”, foram as palavras desferidas por Miyazaki, não ontem, nem na semana passada, mas há 9 anos, durante um programa da televisão japonesa, em uma época que o Chat GPT nem ao menos existia.
Portanto, a forma mais adequada de se compartilhar o estilo artístico do Studio Ghibli é justamente assistindo às suas obras. Embora o acesso à arte não seja a coisa mais democrática do mundo, com certeza não serão os algoritmos que facilitarão nesse processo, já que até mesmo uma das trends mais divertidas pode estar velada nos mais obscuros bastidores.
