Apenas 8% das baianas adotam o sobrenome dos maridos

Foto: Eduardo Beleske / PMPA


Por Maysa Polcri

A tradição da mulher adicionar o sobrenome do marido após o casamento tem raízes no machismo estrutural. Até 1977, elas tinham a obrigação de carregar o nome dele para mostrar que, dali em diante, "pertenciam" a esse parceiro. Depois, passou a ser facultativo. Em dez anos, a quantidade de mulheres que escolheu mudar o nome despencou em mais de 85% na Bahia. Em 2022, apenas 8% adicionaram o nome dos parceiros - 92% recusam a prática.

Usar o sobrenome do marido sempre foi desejo da professora e assessora jurídica Solange Barreto. “Foi um gesto simbólico”, conta ela, que casou em 2021. A escolha de Solange, no entanto, tem se tornado cada vez mais rara, como indicam os dados da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen).

Dos 154,5 mil casamentos realizados nos últimos três anos no estado, somente em 13,3 mil deles as mulheres alteraram seus nomes. Em 48,3 mil das uniões, os sobrenomes não foram adotados por nenhuma das partes - desde 2002, o homem pode usar o nome da mulher. Os dados dizem respeito aos casamentos heteroafetivos, mas casais homossexuais têm direito. 

Fatos sociais não têm uma única explicação, mas o controle das mulheres sobre suas vidas é um fator a ser considerado.

“Hoje, as mulheres não se contentam em ser a sombra dos homens. Antes, era filha de alguém e depois virava esposa de alguém”, analisa Márcia Tavares, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim/Ufba).

Ela lembra ainda que a influência da Igreja Católica é menor, o que contribuiu: “A ideia sempre foi que casamento é um contrato e, sacralizado pela Igreja, a mulher passa a ser propriedade do homem”.

Enquanto as mulheres deixaram de ser obrigadas a adicionar o nome dos maridos no final da década de 70, a legislação brasileira só permitiu que homens utilizassem o nome das esposas em 2002. Mas, a moda nunca pegou. Nos 154,5 mil casamentos feitos na Bahia em 2022, só 1.085 homens adicionaram outro nome. Em apenas 0,2% dos casos, o homem foi o único a fazer a alteração - o que equivale a 109 uniões.

Burocracia

Nem o amor que a advogada Carla Vitória Santos sente pelo companheiro foi suficiente para enfrentar a burocracia para alterar o nome. Isso porque não basta a mudança no dia do casamento. Todos os documentos - RG, CPF, Título de Eleitor, Passaporte e cadastros bancários - devem ser modificados. Para isso, é preciso paciência e dinheiro para pagar as taxas.

“No meu caso, até o registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o contrato social da empresa que trabalho teriam que mudar ”, diz Carla.

Num mundo em que tempo é dinheiro, a dor de cabeça não vale a pena. Por ser advogada, Carla já conhecia a burocracia envolvida. Renato Almeida, por outro lado, tinha expectativa de adicionar o nome da esposa. Mas o espanto com o processo foi tanto que deu para trás.

Apesar de a Arpen não divulgar preços para a alteração dos documentos, casais precisam desembolsar, em média, R$ 392. A segunda via do RG custa R$ 46,36 e a da Carteira Nacional de Habilitação , R$ 89,96. No caso do Passaporte, havendo alteração de dados, é preciso solicitar novo documento, que custa R$ 257.

Lei do Divórcio tirou obrigatoriedade do uso do sobrenome do marido

Após muita polêmica e embate com a Igreja Católica, a Lei do Divórcio (Lei 6.515) foi sancionada em 1977. Antes dela, o casamento era “para sempre”, literalmente. Não existia a opção de divórcio no país e, para quem estivesse infeliz no matrimônio, só restava o desquite. Apesar de garantir a separação de bens, o desquite não acabava com o vínculo. 

Além de respaldar a separação do casal e dar amparo legal para as novas uniões estáveis que viessem a ocorrer depois do divórcio, a lei retirou a imposição do sobrenome do marido para a esposa. O primeiro projeto divorcista foi apresentado em 1893, mas não foi adiante. As mudanças sociais só permitiram que um novo projeto virasse lei 84 anos depois. 

Quando a emenda à Constituição entrou na pauta do Congresso em 14 de junho daquele ano, causou um verdadeiro alvoroço. Dezenas de parlamentares se alternavam na tribuna em defesa ou ataque ao divórcio. Enquanto isso, mais de 1,5 mil pessoas acompanharam a votação.

Para quem tinha optado pelo desquite e estava com outro parceiro, aquela era a única forma de regularizar a união. O projeto de lei recebeu uma emenda que determinava que a pessoa só poderia se divorciar uma vez.

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