Encontro de Itamar Vieira Júnior e Glicéria Tupinambá lota Praça dos Garimpeiros
Por Fligê
Texto de Mariana Lacerda e fotos de Thiago Gama
Sob as bênçãos dos Encantados e a proteção de Tupã, a Fligê foi palco de um encontro ancestral, neste sábado (19). Itamar Vieira Júnior e Célia Tupinambá estiveram juntos pela primeira vez ao participar do lançamento de “Salvar o fogo”, livro do escritor baiano que se consagrou com o premiado “Torto Arado”.
Um dos momentos mais esperados da 6ª edição da Feira Literária de Mucugê, o lançamento teve que ser transferido para o palco principal, lotando a Praça dos Garimpeiros. Leitores e admiradores do maior nome da literatura brasileira na atualidade esperavam ansiosos para encontrá-lo e saudar também Glicéria (ou Célia) Tupinambá. O bate-papo com os convidados foi mediado pela professora e pesquisadora, Jamile Borges.
Itamar Vieira Junior volta à Chapada Diamantina para lançar o segundo livro, que integra uma trilogia sobre relações humanas enraizadas em um constante diálogo entre os povos e o seu próprio território. Na Fligê 2019, ele lançou “Torto Arado”, que levou a Chapada Diamantina ao mundo: o livro já foi publicado em mais de 15 países.
“É sempre muito bom voltar à Chapada, é um lugar que me ensinou tanta coisa. Eu não sou da Chapada, mas é como se eu tivesse nascido aqui”, contou o autor. “A Fligê já faz parte do nosso calendário cultural e envolve a comunidade não só da região, é uma verdadeira festa literária que celebra o livro”, continuou.
Em “Salvar o fogo”, o autor retorna ao interior do estado para tratar de temas como os vínculos familiares e os tipos de violências silenciosas que resultam nas opressões sofridas pelos povos escondidos e esquecidos, suas batalhas consigo mesmo e na relação com o outro. Desta vez, a narrativa expressiva de Itamar Vieira convida o leitor a visitar as margens do rio Paraguaçu, onde vivem Luzia e sua família, em um povoado marcado profundamente pela presença de um mosteiro do século 17.
“O microcosmo que está em 'Torto Arado' está em 'Salvar o fogo': de regiões da Bahia e de personagens simples, que retratam grande parte da nossa população e são atravessados pela História”, revelou o autor. Segundo ele, muitas vezes as pessoas não sabem que são atravessadas por essa História com “H” maiúsculo: colonial, escravista e do genocídio nas Américas."
Dentre os aspectos dessa História, foram fios e raízes que levaram Itamar Vieira Junior à Célia Tupinambá. Em seu novo livro, o autor agradece à luta da indígena. “Estar com Célia é estar com as minhas personagens femininas”, comentou o autor. “O que ela fez com o manto é o que faço com as palavras - escrever, para mim, é recriar e imaginar como seria uma história que me foi negada”, explicou.
A pesquisadora, professora e ativista da aldeia Serra do Padeiro, em Buerarema, ouviu um chamado e foi a responsável pela confecção dos novos mantos Tupinambá, indumentária trançada por esse povo com forte significado ritual, que tem origem no século 16. Os mantos originais desse período foram levados do Brasil para a Europa pelos colonizadores, como artefatos exóticos, e, somente neste ano, uma dessas peças, que está no Museu Nacional da Dinamarca, irá retornar ao país. Célia e o povo Tupinambá são protagonistas nesse processo de repatriação do manto.
“É impressionante o quanto as pessoas não conhecem a história do próprio país, a história Tupinambá, não conhecem o pertencimento”, refletiu a indígena. “Eu recebi essa missão de buscar o manto, de fazer esse levante e fiquei muito feliz, porque aqui, na Fligê do ano passado, a volta do manto foi acolhida e isso ajudou a ecoar essa voz”, comemorou.
Célia Tupinambá celebrou a possibilidade de reescrever a História, como Itamar Vieira Junior faz em seus livros. “Nós somos sementes, não importa para onde formos. Estamos de mãos dadas na luta com quem nos ajuda a escrever e contar essa história, que é de todo mundo”, ressaltou.
Para a mediadora do lançamento, Jamile Borges, a Feira Literária de Mucugê se destaca justamente por acolher os melhores sonhos e anseios. “A cada ano que eu volto à Fligê, fico feliz por fazer parte do que realmente se consagrou como um espaço de resistência político-poética”, definiu a pesquisadora.