Homenagem a Camillo de Jesus Lima, poeta da liberdade, abre a FliConquista com reflexões sobre paz, guerra e vida

Ruy Medeiros na abertura da FliConquista. Foto. Danilo Souza
  • Por Fábio Agra
  • Atualizado: 16/11/2023, 12:50h

A abertura da Feira Literária de Vitória da Conquista (FliConquista), com uma apresentação do professor, advogado e historiador Ruy Medeiros, na noite dessa quarta-feira, fez jus ao homenageado Camillo de Jesus Lima, no auditório do Centro de Cultura que leva o seu nome.

Ruy Medeiros falou durante 45 minutos a um público que compareceu em bom número, quase lotando o auditório.

Trazendo Camillo de Jesus Lima a partir de um contexto da Caetité do início do século 20, onde o poeta nasceu, Ruy Medeiros enredou os tempos e pôs a poesia de Camillo para dialogar sobre as rupturas de fronteiras, sobre as guerras e, de forma muito comovente, sobre a barbárie na Faixa de Gaza e aos palestinos, temas que atravessam os quase 50 anos sem a presença física de Camillo.

“Sua poesia de paz é atual. Seu repúdio aos crimes de guerra são repúdios obrigatórios. Hoje, quem não dirá da atualidade de seu poema diante de centenas de crianças palestinas assassinadas? Vejam o que Camillo de Jesus Lima escreveu há mais de meio século é ainda para ser lido hoje quando crianças são vítimas da guerra. Eu vi coisas do Vietnã, vi coisas de outras guerras, mas ontem parece que a medida da minha sensibilidade ficou completamente cheia de revolta quando eu vi soldados invadindo o hospital Sharif e vi aquelas crianças que já não podiam ser mais atendidas condenadas à morte e o heroísmo daqueles médicos que teimavam em salvar pessoas”, disse Ruy Medeiros. 

Desta forma, Ruy Medeiros nos presenteou, de certa maneira, com a presença de Camillo de Jesus Lima, também ao ler trechos de sua obra, para refletirmos sobre paz e sobre o horror à guerra. Ao declamar cada trecho de sua poesia, Ruy Medeiros, enredava os tempos, emaranhava-os.

“Me solta, gente! Eu quero atravessar a fronteira. Quero ouvir saudades cantadas, choradas, suspiradas, molhadas de suor na segunda classe, onde emigrantes fazem mútuas confidências. - Depois dizer de seus vários desejos, de ver mulheres, lugares, coisas, o poete termina por gritar: Me solta, gente! Eu quero atravessar a fronteira! Me solta, gente! Os trilhos dos trens de ferro estão escrevendo meu destino no dorso infinito da terra. Me solte, gente! A brisa do mar está chamando, me chamando, me chamando. - Como isso é atual, como isso nos diz à nossa sensibilidade e à nossa inteligência. Quanta gente hoje no mundo quer atravessar a fronteira, palestinos, afegãos, sudaneses, gente indo, gente chegando, na África, são milhões em nosso mundo querendo atravessar a fronteira. Milhões e milhões saindo de golpe de estado, fugindo da fome... Por isso que Camillo era lido por nós que amávamos a liberdade”, disse Ruy Medeiros após ler o trecho do poema "A balada do vira-mundo", de Camillo de Jesus Lima. 

Esse enredamento também esteve na breve e reflexiva fala de Marta Cristina, filha de Camillo de Jesus Lima, que antecedeu Ruy Medeiros.

“Agradeço a vocês que fizeram tudo isso aqui, essa lembrança, não deixar morrer, porque um dia mesmo ele me disse... Eu perguntei a ele: meu padrinho, o que é a morte? Ele disse: não existe morte, Dinha, ele me chamava de Dinha, para aquele homem que produz a sua própria história. Eu disse para ele: não entendi. Ele disse: você não vai entender agora, porque você só tem nove anos, mas eu lhe garanto que mais tarde você vai entender o que estou falando. E tudo isso que ele me falou, estou entendendo agora”.  

A obra de Camillo de Jesus Lima é imortal e nos leva a misturar os tempos, a enxergar o passado dentro do nosso presente e vice-versa. Nos leva a refletir sobre a vida, sobre a guerra e sobre a paz. Embora desconhecida para muitos que ali estavam, por não haver edições disponíveis, conseguimos absorver um pouco sobre seu pensamento libertador através de Ruy Medeiros e de Marta Cristina.

Público no auditório do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima durante a FliConquista. Foto: Danilo Souza.

Durante a abertura da FliConquista, onde estiveram presentes os deputados Waldenor Pereira (federal), Zé Raimundo Fontes (estadual), o secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro, o diretor geral da Fundação Pedro Calmon, Vladimir Costa Pinheiro, o reitor da Uesb, Luiz Otávio, a professora e curadora da FliConquista, Ester Figueiredo, e outros representantes da cultura literária municipal, foi informado também que está sendo preparado o lançamento de dois livros de Camillo de Jesus Lima. Espera-se, portanto, que em breve possamos mergulhar em sua poesia.

As homenagens na noite de ontem seguiram também com a apresentação do músico Gutemberg Vieira e sua banda, que fez um espetáculo a partir da obra de Camillo de Jesus Lima. Durante a execução das músicas, eram exibidas imagens de arquivo de Camillo de Jesus Lima em que o público também contemplava em um palco cenograficamente montado com uma escrivaninha e um ator representando o poeta.

A FliConquista segue até domingo com uma programação intensa e com reflexões sobre liberdade. 

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