Mobilidade Urbana: transporte alternativo de vans continua sem regulamentação em Vitória da Conquista

  • Caique Santos
  • Atualizado: 29/06/2024, 02:22h

O transporte alternativo ou complementar, incluindo vans, carros e motocicletas por aplicativos, já faz parte do cotidiano dos moradores de Vitória da Conquista. Entretanto, a regulamentação e fiscalização desses serviços é um desafio para a Prefeitura, não só para zelar pelos direitos dos usuários, mas também para garantir que não prejudiquem a lucratividade das empresas de ônibus licitadas que atuam no do transporte público.

A busca de alternativas de regulamentação que beneficiem tanto os usuários quanto os operadores de transporte deveria ser foco de constantes debates entre sociedade, poder público, Câmara de Vereadores, empresas de ônibus e todos envolvidos no tema, algo que não tem mais acontecido em Vitória da Conquista.

Histórico

A primeira tentativa de regulamentar o transporte ‘alternativo’ com vans, que na verdade ainda é clandestino, aconteceu em janeiro de 2018, no segundo ano do primeiro mandato do então prefeito Herzem Gusmão, que morreu em março de 2021, logo no início do que seria seu segundo mandato. Herzem foi eleito com apoio dos vanzeiros, justamente por ter em seu programa de governo a legalização e regulamentação desse tipo de transporte.

"Não somos legais para o poder público, mas a sociedade já abraçou essa causa, cabe ao município reconhecer isso e fazer uma seleção, ver quem tem o interesse de continuar e manter esse transporte de uma maneira legal”, diz Vilmar Ferreira.

Para Vilmar Ferreira, presidente da Atravic – Associação dos Transporte Alternativo de Vitória da Conquista –, que conta com 80 associados, a regulamentação do transporte alternativo é importante para que seja possível a melhora do serviço prestado por eles. De acordo com Vilmar, por dia, circulam na cidade entre 300 e 350 vans. No projeto de licitação pensando pelo então prefeito Herzem Gusmão, seriam 160 vans com permissão para circular e 80 no cadastro de reserva.


Ponto das vans entre o terminal de Transbordo Herzem Gusmão e o Ceasa, no centro de Conquista. Foto: Danilo Souza

“Depois de muitos embates diretos, Herzem veio a entender que não tinha como excluir as vans do sistema e ele nos chamou para uma conversa e fez uma proposta muito boa de regulamentação, de reconhecimento. Ele foi eleito, mas por coisas do destino ele veio a falecer, e a atual prefeita cortou todas as relações com o transporte, não tivemos oportunidade nenhuma de conversar com ela. Não somos legais para o poder público, mas a sociedade já abraçou essa causa, cabe ao município reconhecer isso e fazer uma seleção, ver quem tem o interesse de continuar e manter esse transporte de uma maneira legal”, diz Vilmar Ferreira.

Herzem tinha como uma das plataformas de governo a legalização do transporte por vans, sendo eleito com o apoio de vanzeiros

Licitação rejeitada pelos vanzeiros e suspensa por recomendação do MP-BA

Na época, a Prefeitura lançou o Edital de Licitação Nº 001/2018, que pretendia regulamentar o Transporte Alternativo por meio das Vans na cidade, com 160 carros permissionários e 80 de reserva, mas ainda em abril de 2018, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) recomendou à Prefeitura de Vitória da Conquista a suspensão do edital, justamente no momento em que os vanzeiros já faziam protestos em trechos da BR-116 contra algumas das exigências do edital.

A Promotora Lucimeire Carvalho Farias, Titular da 8a. Promotoria de Justiça de Vitória da Conquista, apontava, entre outras irregularidades:

- A ausência de estudo técnico preliminar de impacto no equilíbrio econômico-financeiro dos atuais contratos de concessão de transporte público coletivo;

- Existência de pretensões indenizatórias judicializadas pelas concessionárias de transporte coletivo;

- Concorrência desleal do transporte irregular de passageiros por automóveis do tipo “Van”;

- Inexistência de fiscalização efetiva do transporte clandestino pelo município;

- Possível desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos das concessionárias de transporte coletivo;

- Dano ao erário;

- Violação de princípios que regem a administração pública;

- Ato de Improbidade Administrativa.

A Atravic apresentou em 2020 um projeto de regulamentação, que de acordo com Vilmar Ferreira, presidente da associação, foi aprovado por Herzem, mas ainda não foi apreciado por Sheila Lemos. Clique aqui e veja o projeto

Fim da ‘lua de mel’ e fiscalização em cima das vans

Além de recomendar a suspensão da licitação de vans, o MP pediu à época ao prefeito Herzem Gusmão “a determinação imediata da realização dos meios necessários para uma INCONTESTE e EFETIVA fiscalização do transporte clandestino no Município de Vitória da Conquista, com a aplicação das medidas previstas no Art. 15, da Lei 968/99, para coibir a referida prática ilegal e de conhecimento público e notório, que, indubitavelmente, coloca em risco a saúde e a vida dos cidadãos conquistenses que necessitam de transporte público”.

A partir daí, a licitação do transporte alternativo foi suspensa e a Prefeitura passou a promover uma forte fiscalização contra o transporte de vans, que passou de “alternativo” para “clandestino”. As blitzes do SIMTRANS foram realizadas algumas vezes, mas com o tempo deixaram de acontecer e os vanzeiros não foram mais incomodados.

Prefeitura tenta restringir circulação de vans no centro

Um outro capítulo dessa história de desacertos foi a tentativa da Prefeitura de impedir a circulação das vans em determinadas áreas do centro da cidade e em horários de pico, o que gerou protestos dos vanzeiros.

O Decreto nº 22.863/2023 criou uma Área de Restrição de Circulação. Na época, o site da prefeitura mostrou uma foto de uma reunião entre o secretário municipal de Mobilidade Urbana, Lucas Dias, o coordenador de Transportes, Sérgio Hubner, e o representante da Associação dos Permissionários de Transporte Rural (APTR) de Vitória da Conquista, Sebastião dos Santos Filho, dando a entender que houve uma aceitação por parte dos vanzeiros, o que não ocorreu, tendo em vista que, além da APRT não representar a totalidade dessa categoria, os principais afetados pelo decreto, os vanzeiros que transitam na zona urbana, não participaram da reunião.

 

Secretário municipal de Mobilidade Urbana, Lucas Dias (à esq.) com o coordenador de Transportes, Sérgio Hubner (no centro). Foto/PMVC.

O projeto ‘Cinturão’ entrou em vigor desde o dia 18 de dezembro de 2023, mas não está sendo respeitado pelas vans e nem fiscalizado pela Prefeitura. De acordo com a Prefeitura, não haverá impedimento algum para os permissionários de qualquer dessas modalidades de transporte, desde que estejam devidamente cadastrados junto à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob).

Um formulário para certificação seria disponibilizado aos interessados, para que atualizem o registro. Feito o cadastramento, os veículos seriam pintados e receberiam um certificado adesivado, com QR Code e número de série, para garantir mais segurança a condutores e passageiros, sobretudo no que se refere ao cumprimento das regras de manutenção do automóvel. Nada disso saiu do papel ainda.

“Foi lançado esse decreto, e tanto a gente do transporte aqui de dentro da cidade fizemos manifestação quanto o pessoal do transporte intermunicipal também participaram do manifesto e ainda empresas daqui da cidade e de fora que fazem entregas de mercadorias no Centro”, disse Vilmar Ferreira, da Atravic.

Pelo Decreto nº 22.863/2023 é proibida a entrada e circulação de veículos de baixa capacidade de transporte de passageiros (micro-ônibus, kombi ou van e/ou similares) no perímetro estabelecido como da Área de Restrição à Circulação.

“Fizeram esse decreto e eu não sei qual a finalidade. Eu creio que as vans que circulam na cidade não atrapalham o trânsito em nada, com os veículos de médio e grande porte circulando ou não, sabemos que o trânsito no centro da cidade é difícil, porque é antigo, se tornou pequeno para o que a cidade é hoje, mas impedir a circulação das vans não altera em nada”, diz Vilmar Ferreira.

 Áreas de Restrição de Circulação (ARC). Em vermelho, restrições para carga e descarga de mercadoris e em laranja, para transporte de pessoas.

 Foto: Divulgação/PMVC

Ainda de acordo com o presidente da Atravic, a prefeitura não tem fiscalizado o cumprimento do decreto. “Não sei se por motivo de ano político, né? Ano eleitoral, se estão deixando passar o período eleitoral para começar fazer valer, ou se estão aguardando essa muralha digital ficar ativa, o decreto está em vigor mas não está sendo fiscalizado. Acho que até quem lançou o decreto viu que não é viável, Conquista tem coisas mais importantes pra resolver do que isso”, aponta o presidente da Atravic.

O Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (SINDICERV) emitiu uma nota manifestando profunda preocupação com a decisão da Prefeitura de restringir a entrada e circulação de veículos de carga e descarga no município. Segundo a entidade, a medida, se realmente for colocada em prática, causará um visível impacto negativo para a indústria e comércio local e preocupa toda a indústria de alimentos e bebidas, setor responsável por centenas de postos de trabalhos e fundamental para o abastecimento da população.

O SINDICERV alertou ainda que os setores enfrentarão dificuldades em receber e expedir mercadorias nos horários estipulados pelo decreto. Entre as consequências possíveis estão atrasos nas entregas, aumento dos custos e a falta de segurança para os trabalhadores que circularão com altos valores em mercadorias de madrugada. Isso afetará de forma negativa o abastecimento de produtos em mais de 900 estabelecimentos comerciais do município.

Além disso, a entidade acredita que o aumento do trânsito de veículos de carga e descarga em horários noturnos poderá afetar a poluição sonora da cidade, prejudicando o descanso e o sono de dezenas de cidadãos conquistenses.

O SINDICERV, com outras entidades locais e nacionais, tais como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL), a Associação Baiana de Supermercados (ABASE) e a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Vitória da Conquista, encaminhou um ofício para a prefeita Sheila Lemos solicitando que o setor de alimentos e bebidas seja incluído na lista de exceções do decreto, para permitir que as operações de carga e descarga sejam realizadas em horários mais amplos, evitando assim enormes prejuízos no abastecimento de alimentos e na geração de emprego e renda do município.

Por que regulamentar é importante?

A ausência de regulamentação para o transporte de vans pode trazer diversos problemas para a comunidade, tanto em termos de segurança quanto de qualidade dos serviços prestados. A nossa reportagem elencou alguns pontos que podem gerar problemas:

Manutenção dos veículos: Sem regulamentação, não há garantia de que os veículos estejam em condições adequadas de manutenção, aumentando o risco de acidentes.

Capacidade e superlotação: Vans não regulamentadas podem operar com excesso de passageiros, colocando em risco a segurança de todos a bordo.

Sem acessibilidade e gratuidade: Cadeirantes, idosos e estudantes não podem ter acesso e utilizar do direito da gratuidade e do vale-transporte.

Condutores não qualificados: Sem a exigência de credenciais e treinamentos adequados, os motoristas podem não estar aptos para conduzir com segurança, o que pode resultar em imprudências e acidentes.

Concorrência desleal: O transporte de vans não regulamentado pode competir de forma desleal com o transporte público oficial, afetando a sustentabilidade econômica dos serviços regulamentados.

Desorganização do trânsito: Vans operando sem coordenação podem contribuir para o congestionamento e desorganização do trânsito, especialmente em horários de pico.

Imprevisibilidade: Horários e rotas podem ser inconsistentes, dificultando o planejamento dos deslocamentos pelos usuários.

Falta de seguro: Sem regulamentação, é provável que muitas vans não possuam seguro adequado para cobrir danos a passageiros e terceiros em caso de acidentes.

Perda de receita para o município: A operação de vans não regulamentadas pode resultar em perda de receita de taxas e impostos que seriam arrecadados com a regulamentação.

Desigualdade de acesso: Sem regulamentação, pode haver desigualdade no acesso ao serviço de transporte, com áreas mais carentes sendo negligenciadas em favor de rotas mais lucrativas.

O que diz a atual gestão da Prefeita Sheila Lemos

Nossa reportagem entrou em contato com a secretaria de Comunicação e pediu um posicionamento da Prefeitura de Vitória da Conquista sobre a fiscalização na Área de Restrição de Circulação e sobre o processo de licitação das vans, mas não obtivemos respostas.

A falta de regulamentação do transporte de vans é um dos desafios dentre outros que o sistema de transporte público de Vitória da Conquista apresenta. Sem regras claras não existe ordem e muito menos uma fiscalização adequada, os riscos para os passageiros aumentam, e a concorrência desleal prejudica o transporte público oficial, fazendo com que a Prefeitura tenha que continuar subsidiando com dinheiro do contribuinte as empresas de ônibus, que alegam não conseguir obter lucro.

A regulamentação não só protegerá os usuários, mas também contribuirá para um ambiente urbano mais organizado e uma economia local mais robusta.

Reportagem: Caíque Santos, repórter colaborador na Mega Rádio

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