“O consumidor não pode ser coagido a praticar nada na relação de consumo” – coordenador do Procon fala sobre coleta de dados biométricos
Com o desenvolvimento de Inteligência Artificial e a busca por um banco de dados por diversas instituições, sejam elas públicas ou privadas, as biometrias têm sido solicitadas até no comércio. Já não basta apresentar CPF ou endereço, algumas empresas estão também pedindo que sejam tiradas selfies, como tem ocorrido em Vitória da Conquista, quando já se presencia estabelecimento comercial solicitando que consumidores tirem uma foto para dar seguimento à compra.
Sobre o risco de abuso na coleta de dados e constrangimento aos consumidores, o repórter Danilo Souza, da Mega Rádio, entrevistou o coordenador do Procon de Vitória da Conquista, Rafael Meira, para entender como o consumidor pode se defender de mecanismos de coletas de dados sem autorização ou mesmo quando são feitas de forma que traga constrangimento.
Nessa entrevista, o coordenador do Procon fala sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e sobre o que uma empresa pode ou não fazer em relação à aquisição de dados de consumidores.
Mega: Um estabelecimento comercial tem direito de pedir fotos dos clientes no momento da compra?
Rafael Meira: Dentre os principais direitos que o consumidor tem, a gente pode elencar o direito à informação e à segurança no estabelecimento da relação de consumo. Então, as empresas para terem acesso aos dados dos consumidores, elas têm que informar quais são os dados que ela quer recolher e, principalmente, a finalidade desses dados. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece que qualquer empresa, qualquer organismo ou organização, tem que colher o consentimento do titular dos dados para armazenar e fazer o tratamento desses dados. Então, as empresas não têm uma vedação para solicitar os dados, mas elas têm a obrigação de informar o consumidor qual o uso que ela vai dar a esses dados, qual a finalidade da coleta desses dados, e também solicitar expressamente o consentimento do consumidor para fornecimento e armazenamento desses dados no banco de dados da empresa.
Mega: Como o consumidor pode agir em relação a essa exigência?
Rafael Meira: O consumidor não pode ser coagido a praticar nada na relação de consumo. A relação de consumo, para ela ser válida, tem que haver o livre consentimento do consumidor, ele tem que buscar informações, e aí a empresa é obrigada a prestar essas informações. E relacionado à finalidade da coleta desses dados, geralmente há exigência, por exemplo, da biometria facial. Ela ocorre para a concretização de contratos, então, por exemplo, se for uma compra em que vai ter um financiamento, se for uma compra que vai ter a geração de um contrato eletrônico, aí sim é uma conduta normal a coleta da biometria facial. Mas também a gente tem que destacar que a assinatura e a validação dos contratos, ela não ocorre só pela biometria facial, pode ser feita pela assinatura física, pela assinatura digital, caso o consumidor possua token para assinatura digital, então a empresa tem que prestar a informação clara e objetiva. Por que ela está solicitando a biometria e qual o uso que ela vai dar a essa biometria?
Rafael Meira, coordenador do Procon de Vitória da Conquista
Mega: O Procon de Vitória da Conquista tem tomado medidas para fiscalizar a aquisição de dados pelos estabelecimentos comerciais, pensando justamente na Lei de Proteção Geral de Dados?
Rafael Meira: Olha, o Procon atua mediante provocação. Então, quando o consumidor suspeita que houve um uso indevido dos dados dele, da biometria facial dele, ele vai registrar a reclamação presencialmente e a gente vai gerar um processo com marcação de audiência aqui no órgão para entender e conciliar as partes ou vamos encaminhar uma equipe de fiscalização até a sede da empresa, se for uma empresa localizada aqui no município, para entender a situação. E a partir daí adotar as medidas legais cabíveis, inclusive com a lavratura de auto de infração ou notificação.
Mega: Há casos de denúncias como similares a essas ou de aquisição irregular de dados de consumidores?
Rafael Meira: No último ano aqui no Procon a gente ainda não tem nenhum caso específico de registro por utilização indevida da biometria facial. De modo nacional, a gente tem percebido várias fraudes relacionadas ao uso da biometria facial. Eu sempre oriento os consumidores a ter muito cuidado. A biometria facial só vai ser utilizada para a formalização do contrato, então, o que os consumidores têm de ter cuidado, por exemplo, se vai fazer um orçamento, se vai fazer uma simulação de um contrato, de um financiamento, não é uma conduta adequada se gerar uma biometria facial para uma simulação. A biometria só é exigida legalmente para a formalização de um contrato e o estabelecimento de uma relação de consumo. Se eu ainda estou em uma fase de simulação, não se mostra uma medida razoável e proporcional à exigência dessa biometria.
Mega: Por exemplo, nesse caso em que o cliente só foi informado sobre a foto já depois de ter passado o cartão, de ter efetuado a compra, pode-se dizer que houve uma infração por parte da loja?
Rafael Meira: Em tese, é uma situação de infração ao Código de Defesa do Consumidor, porque a informação tem que ser prévia. Então, antes da formalização da contratação, a empresa tem que prestar uma informação clara e objetiva de como é que vai se dar a contratação, o que vai ser necessário e todas as condições da compra, como o preço, se vai ter alguma aplicação de juros ou não, se vai ser uma compra parcelada e a forma de pagamento. Tudo isso tem que ser esclarecido de modo claro e objetivo ao consumidor antes de ser formalizada a relação de consumo.