O problema não é a flor, é a realidade

Foto: Arquivo pessoal


 

Por Lays Macedo

 

Além de “águas de março fechando o verão”, fecha-se, também, o “mês da mulher”. Pronto. Acaba-se com fachadas cor-de-rosa, com mensagens cheias de flores e adjetivos como “guerreira”, “preciosa”, “delicada”... voltamos à programação normal: “homens e mulheres são iguais”, “quer respeito? Se dê ao respeito”, “é tudo ‘mimimi’”, “mas nem todos”, “ela é desequilibrada/dramática/burra/lerda/fraca/vadia”.

Não faz sentido, sabe? Declamar minha beleza em um dia, no restante me fazer odiar o meu corpo, minha aparência, minhas marcas, cheiro, pelos e formas naturais. Ou então me definir como guerreira e invisibilizar todo o trabalho doméstico e materno, impondo a mim como obrigação, sem sequer reconhecer a sobrecarga e o valor do trabalho reprodutivo*. Postar frase de efeito na data comemorativa e passar o tempo todo fazendo “piadas” e comentários machistas, sexualizando nossas existências, silenciando nossas vozes, inferiorizando nossas lutas, minimizando violências psicológicas e morais, relativizando estupros e abusos sexuais e desacreditando de vítimas de violências de gênero.

Claro que é legal um bombonzinho e um botão de rosa (dá até para fazer um banho com as pétalas e ficar cheirosa e energizada depois), só que melhor seria viver coletivamente sem que queiram nos calar, ou nos acusar de "loucas", de "mentirosas", de "desqualificadas" quando, por exemplo, quebramos padrões e usamos as nossas vozes. 

Entenda: o problema não é o chocolate ou qualquer outra coisa barata e comercial pensada para o 8 de março. A questão é o esvaziamento da valorização das mulheres na prática, nas relações familiares, afetivas, sociais, e a manutenção de relações de poder em que homens se elevam diante das mulheres. 

Lembra que, durante o ano todo, "mulherzinha" só adjetiva negativamente o ser humano? Ou eu tenho valor a vida toda ou tô dispensando hipocrisia (mas vou pegar o bombom e a flor também! Oxente!).

*O trabalho necessário tanto para o sustento da vida e a sobrevivência humana na esfera doméstica quanto para a reprodução da raça realizado pela mulher.

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Sobre a autora: Lays Macedo é jornalista - orgulhosa por ser da Uesb - e estudiosa do feminismo - ativa e atuante. Também faz parte do quadro da segurança pública da Bahia. Adora conversas e tudo aquilo que disseram para ela que mulher não pode.

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Lays Macedo

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