PESSOAS FERIDAS, FEREM
Foto: Apae Araioses MA
Por Vanda Araujo
Aproveitando o gancho da postagem anterior - não leu ainda? Clica aqui!-, onde foi mencionado o potencial de gerar traumas que têm as vivências de guerra e os confrontos, cujas consequências impactam gerações, proponho agora olhar para seus próprios conflitos e questionamentos ao tempo que amplia os conhecimentos sobre traumas.
Por muito tempo se restringiu a compreensão de trauma às experiências trágicas, como acidentes, estupros, assalto, morte de pessoa querida, guerras e afins, mas o conceito foi atualizado e atitudes consideradas simples, como a negação de um colo, o choro sem acolhimento, uma frase de rejeição, são suficientes para causar um trauma emocional numa criança com repercussão na vida adulta.
O trauma diz mais respeito a ficar ferido sozinho do que a própria ferida em si. Como essa compreensão chega aí?
Logo, trauma não é apenas um fato passado, é também a marca que essa experiência deixou na mente, no cérebro e no corpo, provocando uma reorganização mental, que modifica não só o modo como se pensa, mas também a própria capacidade de pensar.
A dor ou trauma é o padrão comum para praticamente todas as aflições, doenças mentais e doenças físicas, segundo Dr. Gabor Maté. O trauma é uma ferida psíquica que te endurece psicologicamente e então interfere na sua capacidade de crescer e se desenvolver. Ele não é o que você tem de errado, mas o que aconteceu de errado com você. Podemos compará-la a uma cicatriz que te torna menos flexível, mais rígid@ e mais defensiv@.
Através de seu trabalho de olhar inclusivo e amoroso, o médico canadense Gabor Maté me conectou com o que acredito e com meu trabalho sobre feridas infantis e seus reflexos na vida adulta. No documentário A sabedoria do trauma (você o encontra no YouTube), o autor traz sua experiência e conhecimentos sobre traumas sofridos nos primeiros 6 anos de vida e também sobre a relação com os vícios, doenças físicas, emocionais e comportamentos violentos. Tratei sobre ele neste post do Insta que você deveria ler...
Em 1998, Advers Childhood Experiences Study (ACES) - Estudo das Experiências Adversas na Infância – através da conexão entre as adversidades, divulgou resultados que comprovam mudanças na estrutura e função do cérebro humano. Juntos, o estudo dos ACEs, a neurociência e as pesquisas comportamentais sobre a biologia do estresse revelam que a liberação excessiva ou prolongada de hormônios do estresse pode interromper o desenvolvimento inicial do cérebro, bem como o funcionamento de outros sistemas orgânicos e causar efeitos prejudiciais no aprendizado, comportamento e saúde ao longo da vida.
Esses estudos precisam despertar nossa atenção para a importância das experiências da infância no desenvolvimento do cérebro e na saúde ao longo da vida, bem como para a auto responsabilidade de cada um de nós, adultos, com a cura de nossas feridas infantis. Continuar ignorando, buscando distrações para abafar o incômodo, não reconhecer os medos que paralisam ou fazem ir pra vida andando em círculos, nos torna omissos com a conservação da nossa maior riqueza: a saúde mental.
Ao trabalhar com meus clientes os traumas vivenciados por eles, informo-@s sobre como o cérebro processou essas vivências. Nesse processo, conhecido por psicoeducação, acolho o ser em sua dor explicando que, na idade em que sofreu tal trauma, ele não tinha outros recursos para processar aquilo que estava vivendo, e que, quando nossos cuidadores não nos defendem (por também não terem reconhecido ou trabalhado seus próprios traumas infantis), criamos muitas crenças negativas sobre nós mesm@s e continuamos ouvindo os ecos das “falas” negativas reverberando e conduzindo nossas escolhas.
Ou que, quando o cérebro, ao sofrer o trauma, congela nossas emoções, aprendemos a “não lidar” com algumas situações toda vez que sentimos uma emoção parecida com aquela que causou o trauma. Isso porque a memória é associativa e vamos, instintivamente, dissociando ou congelando as emoções como forma de proteção.
Assim, acompanho o cliente adulto pro “aqui e agora”, onde ele pode enfrentar a situação.
Esses são conceitos que têm aberto vias de aceitação, adesão e o comprometido do adulto ao processo terapêutico, pois, quando o cliente começa a ouvir sobre a formação de seus traumas lá na infância, dando nomes - abuso, falta de acolhimento, não validação, não foi visto, abandono, rejeição… - para esses episódios e não apenas relembrando-os como fatos do passado, ele fica muito mais consciente de sua dor, de sua duração, de que muitos de seus comportamentos e escolhas são formas de se defender dessa dor e de que ela é legítima.
Sem enfrentar as sombras que há em nós, seguiremos reproduzindo comportamentos disfuncionais, fugindo de nossas dores e guerreando contra quem nos feriu, sendo estes, na maioria das vezes, seres a quem amamos. Porque pessoas feridas, ferem.
Quem tem feridas infantis? Quem não nasceu adulto...
Lança a luz do olhar consciente nas tuas sombras!
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Sobre a autora: Eu sou Vanda Araujo (abreviatura, viu?!). Sou graduada em Psicologia, especialista em Terapia Familiar Sistêmica, com formação em Terapia Comunitária Integrativa e em Análise Corporal. Atendo adultos (individual e casal) de forma predominantemente remota e te afirmo que a maior distância entre as pessoas não é geográfica, é afetiva. Não importa em que parte do mundo você esteja, a distância é indiferente. O que é realmente importante é a relação sincera e confiável que estabelecemos entre eu e você.
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