Nunca foi sorte, sempre foi machismo


 

Por Lays Macedo

 

Houve a importunação sexual. Houve um vídeo registrando a importunação sexual. Houve testemunha da importunação sexual. Houve a dor causada à vítima da importunação sexual. O crime, especificamente deste caso, foi cometido pelo deputado estadual Fernando Cury, ao passar a mão no seio da deputada Isa Penna durante uma sessão da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), no dia 16 de dezembro de 2020. 

Na última semana, o deputado, colega de Isa, Delegado Olim disse durante uma entrevista que ela teve 'sorte' de ser assediada sexualmente na Alesp e etc. etc. etc.. O interessante é realmente esta parte da fala: ELA TEVE SORTE DE SER ASSEDIADA SEXUALMENTE. A repercussão do caso foi grande e deu notoriedade à parlamentar pela baixeza e certeza de impunidade do seu agressor e pela firmeza da vítima ao denunciar seu abusador, nada teve a ver com sua sorte. A deputada foi invadida, tocada numa parte íntima sem o seu consentimento, dentro do seu local de trabalho (uau, quão sortuda!). Infelizmente, essa "sorte" é recorrente a nós, mulheres, e vem da construção de um modelo social que nos torna coisas disponíveis - somos sempre erradas/exageradas/loucas/mentirosas, e os abusadores, "homens de bem". 

Por que esta história é tão sensível para mim? Porque eu também sofri importunação sexual no meu trabalho. No meu caso, não houve registros em vídeo nem testemunhas das violências de gênero e institucional que sofri. Mas houve o colega violando o meu corpo e outros colegas o defendendo, definindo "lados", desprezando minhas dores e, mais cruelmente, me acusando de ter inventado tudo para benefício próprio. Quanta distorção moral se faz para atender à ideologia machista... 

A árbitra de futebol agredida em campo, a deputada agredida na plenária, a policial agredida no alojamento da repartição... Além dos ataques motivados e acolhidos por machismo, sabe outra questão comum aos casos? A leitura social sobre as mulheres vítimas estarem em lugares que "não são delas". Ao nos agredirem em ambientes majoritariamente masculinos e prosseguirem com a nossa revitimização, estão reforçando a ideia de que os nossos corpos de fêmeas não devem ocupar espaços além dos esperados, estão nos dizendo que as estruturas (esportiva, política ou policial, por exemplo) são ambientes de homens e para homens, estão impondo silenciamento e apagamento de danos gerados pela manutenção de opressão de gênero. 

Perspectivas patriarcais não são apenas factuais, são constantes. E não menos impactantes e nojentas por esta razão.

 

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Sobre a autora: Lays Macedo é jornalista - orgulhosa por ser da Uesb - e estudiosa do feminismo - ativa e atuante. Também faz parte do quadro da segurança pública da Bahia. Adora conversas e tudo aquilo que disseram para ela que mulher não pode.

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Lays Macedo

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