Feira Literária de Mucugê de 2023: uma ode à liberdade por meio do encontro entre acordes, versos e narrativas
A programação oficial da Fligê teve início nesta quinta-feira (17), com o tema literatura e música, e, José Carlos Capinan é o grande homenageado do evento que está em sua sexta edição
Foto: Site Oficial da Fligê
Por Enlivre-se - Bianca Silva e Pedro Novaes
“Na trilha dos caminhos da revolução, combater o bom combate com as armas da consciência para que a morte, caso aconteça, seja de parabellum na mão”, essa é uma breve adaptação dos versos de Dirlêi Bonfim, na poesia Arte e Combate, uma das inspirações para a expografia “Tramas revolucionárias”, presente na Feira Literária de Mucugê deste ano.
O evento que já se tornou referência entre as festas literárias da Bahia e do Brasil, concebe, para esta edição, o diálogo dos sentidos reverberados pelos versos com narrativas cuja semântica é emanada pelos sons. Nessa perspectiva, literatura e música nos conduzem na direção de uma programação intensa que relaciona a leitura com inúmeras linguagens artísticas. Mesas com conversas lítero-musicais, lançamentos de livros, projetos escolares, espetáculos teatrais, expografias e transmissão de filmes fazem da Fligê um verdadeiro território literário.
Das lavras diamantinas, brota uma profusão de significados materializados pelas sonoridades, imagens, declamações poéticas e concertos. Em um contexto de legítima produção de conhecimento literário, o repertório de artistas renomados se funde com o envolvimento dos estudantes, dos professores, de toda a rede de ensino e da comunidade de Mucugê, em sua integralidade.
Com a curadoria de Ester Maria Figueiredo, pós-doutora em literatura pela UnB, a feira já teve entre os seus homenageados, Afrânio Peixoto, Euclides da Cunha, Castro Alves, Conceição Evaristo, e, para sua edição mais recente abraçou a produção do guerreiro lírico da palavra, o Capinan. Conhecido pelas parcerias musicais com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Francis Hime, Edu Lobo, Paulinho da Viola e João Bosco, o poeta é imortal da Academia Baiana de Letras desde 2007, além de ser considerado um dos mais importantes compositores do Tropicalismo.
Munido de ideias vanguardistas e postura engajada, Capinam acredita no uso da palavra (en)cantada como arma na busca por justiça social e sua obra ganhou destaque em meados de 1965, na era dos festivais. O letrista foi um dos entrevistados para a série documental O silêncio que canta por liberdade, que está concorrendo ao prêmio Emmy Internacional na categoria de melhor documentário em 2023.
Entre poiesis, resistências, acordes e versos, o “enlivre-se” se apresenta como processo e ponto de partida para tramas de revoluções encadeadas pela leitura. A liberdade que se traduz pelo bicentenário da independência da Bahia, pela paixão latino-americana em tempos ditatoriais e pelo “Viramundo” de interiores é o que motiva a realização da Fligê em mais um ano a partir do “arco de cidadania, poesia e emancipação”.
Constituída com as tecituras da produção artística e da compreensão da cultura como direito fundamental, a Fligê tem sido feita por pessoas com histórias marcadas pela busca por transformação. A arte que re(existe) à tirania e se movimenta, o sopro de vida que da literatura nos alimenta, mesmo diante do luto que irrompeu o início da programação com a repentina partida de Heliomar Medeiros Porto. A finitude atravessou a todos de forma abrasiva, por isso, finalizo a nossa primeira coluna com desejo de vida longa para Fligê, e, sobretudo, “Ninja, presente!”.
Bianca Silva
Professora de Direito e Arte. Advogada. Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura (RDL). Mestre em Direito pela UFBA. Graduanda em Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
Pedro Novaes
Graduando em Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.