Remoto Controle
A última vez que meus pais se mudaram de casa foi há quase trinta anos. Toda minha infância, adolescência e alguns vários momentos da minha vida adulta foram vividos neste local. Existe uma janela no meu quarto que é ao mesmo tempo um dos meus lugares favoritos no mundo e um dos locais das minhas maiores angústias. Não é bem a janela em si. Sinto que várias versões minhas já repousaram nessa janela pensando sobre o futuro, planos, frustrações e na última vez que eu estive ali pensando coisas parecidas. A janela me lembra que eu não tenho controle de nada. A vida é indiferente ao que penso enquanto contemplo a vista. Tudo mudou, até meu olhar para este cômodo. E ela ficou ali, acompanhando todo meu descompasso.
“Janela no Studio” – Quadro de Vicent Van Gogh, 1889
Usando mais um clichê, cito a letra de Scambo: “a janela forma a tela e o mundo todo dentro dela é pequeno para mim” .
Controlar é no máximo conhecer como o mundo afeta a ti e como você afeta o mundo. Mais que isso não existe. Não controlamos nem nosso desejo de controlar. Apenas aprendemos a viver com este desconforto, essa vontade de ter poder sobre o que nos afeta. Esta angústia de querer deixar de sentir o que se sente, fortalecendo o próprio sentir ao invés de afastá-lo. Só nos resta aceitar.
Aceitação é um termo malcompreendido. Não significa jamais submissão. É convivência. Viver com aquele elefante na sala e respeitar o incômodo de não poder mandá-lo embora. Entender que nossos monstros internos têm aparência assustadora, mas surgiram porque algo nos marcou. Porque em algum momento nosso ser precisou de monstros para afastar algo. No meu caso, eu pratico aceitação olhando pela minha janela e tentando me reconectar e meditar sobre que caminhos eu posso tomar.
Tentar algo novo pela primeira vez. Tentar algo que eu já falhei e que sinto que posso tentar novamente. Quanto mais experimentamos do mundo mais existe a ser feito e a convivência com o incontrolável, se não muda, fica mais suportável.
“Existe paz mesmo na tempestade”. Essa frase não é minha, é do Vicent Van Gogh em uma das cartas para o irmão. Acho que podemos dar crédito a este artista atormentado que diante de seus problemas psiquiátricos transformou sua dor em arte. Dor e prazer parecem opostos, mas quando a vida é plena ambos caminham juntos.
Aceitar leva um tempo. Recalcular a rota, pensar em novas experiências, retornar ao lugar em que se esteve antes com olhar gentil e se perdoar pelo que passou. Entender que o lugar é o mesmo, mas se você caminha em direção ao que te é importante mesmo pequenos passos são mais importantes do que onde você está. Hoje eu olhei por essa janela onde tantos pensamentos e problemas diferentes já me acompanharam e fiquei feliz em perceber que minha vida é maior do que o que cabe neste esquadro. Amei, vivi, sofri, mudei e é tudo que importa. Eu espero que você que me lê possa encontrar também a paz no meio da tua tempestade.
“Noite Estrelada” – Van Gogh. Sorte nossa que a arte não cabe e é maior que o artista.
Maiana Pereira
Psicóloga, baiana, feminista e palestrinha que ama dar um pitaco. Falo sobre os cotovelos sobre tudo que me move. Sou daquelas que a vida tem uma trilha sonora própria. Quero saber mais, ouvir mais, ver mais, ler mais, ver como cada contexto se relaciona. Vem comigo?Conheça também meu site https://www.maianapereirapsi.com/