Errando enquanto o tempo me deixar
Imagine que você pudesse olhar em um espelho e ver qual o seu maior medo. A pior coisa possível que poderia acontecer com você. Eu não me surpreenderia se boa parte das pessoas vissem neste espelho algo relativo a uma consequência de uma ação delas que “deu errado”. Ter medo de errar é uma queixa comum. E não entendam aqui esse comum como algo menos importante. Friso isso porque errar muitas vezes não é o problema, errar é humano, é inevitável. O problema é a culpa associada ao erro. Essa sim é difícil de engolir, não é racional. O que fazer com ela então?
Aprendemos tudo por comparação e fazendo relações entre as coisas. Algumas relações nunca precisaram ser ditas e mesmo assim as aprendemos. Errar é o contrário de acertar. Acertar é bom, errar é ruim. Quem acerta é uma pessoa boa, logo quem erra é uma pessoa ruim. Existe também um modelo certo de agir e ser que nos é mostrado, digamos que aprendemos que ser de um jeito X como a Fulana é o jeito certo. Se eu sou diferente e quase o oposto de Fulana então a ruim sou eu.
Comparações tem suas utilidades. Aprender com os outros evita que tenhamos que aprender do zero praticando. Evita reinvenções da roda. Mas comparações em relação aos outros dificultam isso. Sabemos que seremos comparados pelos outros porque nos comparamos com os outros e eles são como nós. Sabemos que os outros nos veem agindo. E escolhemos o que mostrar. Redes sociais são um bom exemplo disso. Quem vê feed organizado, stories de alta produtividade, compartilhamentos de sucessos não vê os momentos em que o indivíduo que os publica falhou, os momentos que tentou ser bem-sucedido para compartilhar e não conseguiu, as vezes que esta pessoa se olhou no espelho e não gostou do que viu.
Imagem: Reprodução. Cena da série “My Brilliant Friend”
Gosto muito da tetralogia napolitana da escritora Elena Ferrante. Para os que não conhecem, é a história da amizade e da vida de duas mulheres nascidas em um bairro periférico de Nápoles perpassando por diferentes etapas da vida de cada uma. As amigas são tratadas em muitos momentos como opostos. Lenu é a tímida, Lila a espevitada. Lenu é a estudiosa, Lila não. Lila sempre erra, Lenu faz tudo certo. Lenu era a vista como a mais provável de ser bem-sucedida. Esta é a visão geral da história, mas o leitor entra em contato com outros lados de Lenu. A escritora bem-sucedida é insegura, vivia com medo de não conseguir ou do que ela considerava pior: quase conseguir. Cometeu tantos erros quanto a amiga. Lenu passou muito tempo sem conseguir escrever por medo de não conseguir repetir o sucesso do primeiro livro. Escrevia e reescrevia milhares de vezes e teve medo de mostrar as pessoas, ou de admitir às pessoas que seu trabalho precisava de esmero e dedicação. Afinal, se ela fosse tão boa assim não deveria errar. Deveria acertar de primeira.
A verdade é que aprendemos errando, nos expondo e experimentando. Isso requer coragem. Nenhum artista produziu uma obra sem testá-la. Um pintor nunca poderia terminar uma grande obra sem se expor a possibilidade de que alguma de suas pinceladas poderia dar errado ou que precisaria ser corrigida. Terminar uma Capela Sistina não seria possível para alguém que não começou com rabiscos. Alguém compondo uma música sempre esteve sujeito a uma corda do violão que quebrasse inesperadamente arruinando o progresso e o fazendo esquecer de onde parou. Vemos o conjunto final e nos admiramos como aquela pessoa é genial e pode ser capaz de terminar algo incrível. E não nos arriscamos a tentar algo genial. Porque genial é o outro e não eu.
É bem verdade que não seremos bons em tudo, mesmo com horas de dedicação. Nem todo mundo vai pintar uma Capela Sistina. Mas isso não tira o mérito de todas as outras coisas boas que podemos fazer. E nunca aprenderemos sem tentarmos. Isso exige coragem de se permitir errar. Talvez eu te frustre em dizer que não há muito o que fazer com a culpa por errar, além de aprender a conviver com ela. Enquanto estivermos vivos erraremos. E isso é bom, estamos aprendendo. Não me entenda mal, eu sei que algumas aprendizagens preferíamos ter deixado na ignorância. Faz parte.
Maiana Pereira
Psicóloga, baiana, feminista e palestrinha que ama dar um pitaco. Falo sobre os cotovelos sobre tudo que me move. Sou daquelas que a vida tem uma trilha sonora própria. Quero saber mais, ouvir mais, ver mais, ler mais, ver como cada contexto se relaciona. Vem comigo?Conheça também meu site https://www.maianapereirapsi.com/