Cinco músicas brasileiras inspiradas em grandes obras literárias

Para ser um bom escritor ou compositor, é necessário ler muito, e isso todo mundo sabe. É comum vermos grandes músicos dentro da cena musical compartilharem o gosto pela literatura, o que frequentemente resulta em músicas que carregam inspirações diretas de livros.

Aqui estão cinco das minhas músicas brasileiras favoritas que foram inspiradas por obras literárias:

Torto Arado - Rubel

Lançada em 2023 no álbum “As Palavras”, do Rubel, a música "Torto Arado" tem a participação de Liniker e Luedji Luna e conta a história do livro homônimo, escrito pelo autor baiano Itamar Vieira Junior e lançado em 2019. A partir dessa obra, o autor se tornou uma figura destacada na literatura brasileira contemporânea, e será homenageado na Fligê 2024. O romance é ambientado no sertão baiano e destaca, com riqueza de detalhes, a realidade de exploração dos trabalhadores rurais, sem terras e sem direitos garantidos. A cultura afro-brasileira também participa do desenvolvimento da história, e, em um realismo mágico, Itamar traz uma mensagem de resistência e luta dos personagens para que suas memórias e culturas se mantenham vivas.

Meu cavalo já morreu

E o meu nome

Se esqueceu

E eu, que vi de tudo

Mas não me acostumo

A ver sonhos mortos

Rubel - Torto Arado feat. Liniker & Luedji Luna

Monte Castelo - Legião Urbana

Nesta música, lançada em 1989 no álbum “As Quatro Estações”, Renato Russo faz uma versão musicalizada do soneto "Amor é fogo que arde sem se ver", escrito por Luís de Camões, e do 13º capítulo da Primeira Carta aos Coríntios na Bíblia. O soneto de Camões expressa a beleza contraditória que o amor carrega consigo, enquanto o capítulo bíblico ressalta que a profecia, o conhecimento, os dons e a fé para fazer milagres são irrelevantes sem o amor. No versículo 2, lemos: "E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.”

É um estar-se preso por vontade

É servir a quem vence, o vencedor

É um ter com quem nos mata a lealdade

Tão contrário a si é o mesmo amor

Legião Urbana - Monte Castelo 

Gita - Raul Seixas

Para essa música, Raul se inspirou no capítulo Bhagavad Gita do Mahabharata, livro sagrado do hinduísmo. Esse livro contém cerca de 20.000 versos que compõem o maior volume de texto numa única obra humana.

Escrito em sânscrito, o Bhagavad Gita relata uma conversa entre o príncipe Arjuna e seu mestre Krishna quando os dois estão entre os dois exércitos prestes a iniciarem uma batalha sangrenta. 

No texto, quando Arjuna pergunta a Krishna: “Quem és tu?”, o questionamento do guerreiro dá origem à resposta do deus:

20 – Eu sou a essência espiritual que habita nas profundezas da alma e no íntimo de cada criatura – o princípio, o meio e o fim de todas as coisas; sua origem, a sua existência, o seu termo final.

21 – Eu sou Vishnu, entre as forças criadoras, entre os seres do mundo sideral eu sou o sol; nos espaços atmosféricos sou a tempestade; entre as luminárias do céu noturno sou a lua.

Eu sou a vela que acende

Eu sou a luz que se apaga

Eu sou a beira do abismo

Eu sou o tudo e o nada

Raul Seixas - Gita (Videoclipe Oficial)

Admirável Chip Novo - Pitty 

Admirável Mundo Novo é uma distopia lançada em 1932 por Aldous Huxley e narra um mundo onde todas as pessoas são programadas em laboratório e treinadas para cumprir um papel pré-definido em uma sociedade de castas biologicamente definidas já no nascimento. Nesse universo, a prioridade é apenas o avanço da técnica, a produção em série e a uniformidade.

Na música de 2003, Pitty utiliza a metáfora de um robô para criticar o comportamento humano contemporâneo. No refrão, Pense, fale, compre, beba / Leia, vote, não se esqueça / Use, seja, ouça, diga / Tenha, more, gaste, viva / Não sinhô, sim sinhô, não sinhô, sim sinhô, Pitty enfatiza como o indivíduo moderno aceita passivamente tudo que lhe é imposto pela mídia, tecnologia e mercado, sem questionar ou exercer senso crítico.

Parafuso e fluido em lugar de articulação

Até achava que aqui batia um coração

Nada é orgânico, é tudo programado

E eu achando que tinha me libertado

Pitty - Admirável Chip Novo (Clipe Oficial) 

Dom Quixote - Engenheiros do Hawaii

Clássico da literatura espanhola e o segundo livro mais vendido da história, Dom Quixote de La Mancha foi lançado em 1605 e é uma paródia das antigas novelas de cavalaria. A história narra as aventuras de Dom Quixote, um cavaleiro medieval que, após ler diversos romances medievais, acaba confundindo realidade e ficção. Acompanhado por seu cavalo Rocinante e seu fiel amigo Sancho Pança, o protagonista cria seu próprio mundo imaginário e trava batalhas, incluindo a famosa luta contra moinhos de vento, que acreditava serem gigantes.

Em uma visão mais sensível do livro, a música dos Engenheiros do Hawaii aceita as batalhas de Dom Quixote e traz em sua letra a mensagem de que o valor das aventuras não está nos resultados, que podem ser “causas perdidas”, mas sim no próprio ato de lutar por seus ideais. A canção inspira o ouvinte a perseguir seus sonhos, mesmo que não sejam compreendidos pela sociedade e se sintam como um “Ás de Espadas fora do baralho”.

Tudo bem, até pode ser

Que os dragões sejam moinhos de vento

Muito prazer, ao seu dispor

Se for por amor às causas perdidas

Engenheiros do Hawaii - Dom Quixote (Acustico MTV)


 


Ane Xavier

Estudante de Jornalismo e Ciência Política, apaixonada por comunicação e sempre com um livro em mãos. Também fala sobre leituras no instagram @booksbyane.

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