Tsundoku: o ato de comprar livros, sem, necessariamente, ter pretensão de lê-los

  • Ane Xavier

“Comprar livros é uma forma de afirmar a esperança que viveremos o suficiente para ler tudo que nos interessa. Uma ilusão, claro. Mas uma forma de otimismo.” – Irene Vallejo

Um fato curioso sobre a língua japonesa é que nela existe um termo para descrever praticamente qualquer coisa. Recentemente descobri a palavra tsundoku ([積ん読]) que é a combinação de dokusho (ler livros) e tsunde-oku (postergar) e se pronuncia tsoon-doh-koo. Esta palavra é derivada do ideograma [] que significa empilhar e acumular, acompanhada com ideograma de leitura []. Falando de outra maneira, tsundoku seria o ato de comprar mais livros do que se pode ler.

Há pessoas que afirmam que as bibliotecas pessoais surgem quando a fome por livros é maior do que o ritmo de leitura. Para algumas delas, comprar mais livros do que se pode ler é puro consumismo, uma vez que livros não são apenas objetos decorativos. No entanto, há quem veja isso de outra forma: adquirir muitos livros sem a intenção imediata de lê-los pode ser visto como um investimento para o futuro. Para essas pessoas, uma grande biblioteca é sinônimo de uma sede de conhecimento, e os livros funcionam como um lembrete do universo de saber que está à disposição. A biblioteca, mais do que um acervo estático, funcionaria como um organismo vivo, se expandindo e se contraindo, acompanhando o crescimento e a evolução de seus proprietários.

Em A Lógica do Cisne Negro, Nassim Nicholas Taleb introduz o conceito da antibiblioteca, usando o conhecido escritor Umberto Eco e sua (enorme) biblioteca pessoal. Nicholas destaca que o verdadeiro valor de uma biblioteca está nos livros que ainda não lemos, mas que estão disponíveis para serem explorados quando necessário. Mais especificamente, ele diz:

“O escritor Umberto Eco pertence àquela classe restrita de acadêmicos que são enciclopédicos, perceptivos e nada entediantes. Ele é dono de uma vasta biblioteca pessoal (que contém cerca de 30 mil livros) e divide os visitantes em duas categorias: os que reagem com: “Uau! Signore professore dottore Eco, que biblioteca o senhor tem! Quantos desses livros o senhor já leu?”, e os outros — uma minoria muito pequena — que entendem que uma biblioteca particular não é um apêndice para elevar o próprio ego, e sim uma ferramenta de pesquisa. Livros lidos são muito menos valiosos que os não-lidos. A biblioteca deve conter tanto das coisas que você não sabe quanto seus recursos financeiros, taxas hipotecárias e o atualmente restrito mercado de imóveis lhe permitam colocar nela. Você acumulará mais conhecimento e mais livros à medida que for envelhecendo, e o número crescente de livros não-lidos nas prateleiras olhará para você ameaçadoramente. Na verdade, quanto mais você souber, maiores serão as pilhas de livros não-lidos. Vamos chamar essa coleção de livros não-lidos de antibiblioteca.”

Em resumo, o Nicholas Taleb diz que muito da sabedoria não está apenas no que conhecemos e já lemos, mas principalmente naquilo que ainda vamos conhecer. Talvez esse seja o papel da biblioteca: lembrar-nos da importância de sair da comodidade, explorar novos textos e expandir nosso conhecimento. Assim, a biblioteca se torna não apenas um depósito de livros, mas um lembrete de que temos que buscar conhecer muita coisa.

Apesar de concordar que os livros a serem lidos têm muito valor, não acho que eles superem o valor dos livros já lidos e favoritados da minha estante. Aqueles que já li, reli, sublinhei, circulei e dobrei páginas têm um significado enorme para mim. Acredito que há algo de muito valioso não só no que podemos aprender, mas também no ato de relembrar o que já foi aprendido há algum tempo. Mas reconheço também que há algo de muito importante na manutenção de bibliotecas pessoais e no entusiasmo do sentimento de querer descobrir.

Não tenho certeza da minha opinião sobre grandes bibliotecas de livros sem pretensão de serem lidos, mas há algo que eu sei: quanto mais leio, mais percebo que há muito mais para ler por aí. Contraditoriamente, quanto mais livros eu finalizo, mais a minha lista de livros para ler aumenta. Acho que sempre vai ser assim. Com o tempo aprendi a me acostumar com a sensação de pequenez frente à minha coleção de livros, que me lembra constantemente do horizonte que está ao meu alcance.


Ane Xavier

Estudante de Jornalismo e Ciência Política, apaixonada por comunicação e sempre com um livro em mãos. Também fala sobre leituras no instagram @booksbyane.

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