Genérico para alguns e revolucionário para outros, “333”, novo álbum do rapper Matuê, é um dos melhores discos do ano

  • Danilo Souza

Escolhi a palavra rapper para me referir ao Matuê no título desta coluna, mas acredito que talvez esta ainda não seja a melhor definição possível após o lançamento do seu tão esperado disco, o “333”, que carrega diversas questões enigmáticas e conceituais, como referências à vida espiritual, vida material e os aspectos mentais da vida de um artista. Algumas letras ainda podem parecer “clichê” ou mais do mesmo para consumidores mais assíduos do gênero, mas é notável que há uma evolução se comparado com o seu primeiro álbum, o “Máquina do Tempo”, de 2020.

Capa do “333”, novo disco do Matuê.

É importante começar falando do primeiro álbum antes de entrar de fato no novo disco, pois, de certa forma, muitas expectativas foram geradas no público a partir dele. “MDT”  é um álbum curto, de somente sete músicas e um pouco mais de vinte minutos de duração, mas foi o suficiente para colocar Matuê entre os maiores da cena atual, tudo isso em contexto pandêmico e sem shows rolando. É verdade que algumas músicas, se vistas no panorama atual, podem parecer meio genéricas mas, naquele momento, foram parte importante para moldar e consolidar ainda mais o Trap no país.

“MDT” destaca-se não só por sua sonoridade, mas também pela forma como Matuê e a sua equipe souberam criar uma estética e imagem para o disco. Marketings absurdos, como grafitar parte da capa do álbum em um prédio inteiro, em São Paulo, e aparecer no topo dele, por exemplo, mostraram que aquele cara sabia o que estava fazendo. Ele estava sendo diferente.

Matuê possui uma característica que pode ser vista como defeito para alguns, mas foi um diferencial, ao menos para mim: a baixa frequência de lançamentos. Ele não é aquele tipo de artista que vai ficar publicando um single por semana no Spotify usando a mesma fórmula de sempre só para ficar sendo visto. Foram quatro anos de intervalo entre os dois álbuns, com menos de dez singles publicados durante esse período de tempo, sendo a maioria deles em feat com outros artistas. Quando ficou nítido que um disco novo estava mesmo sendo produzido, os fãs não falavam em outra coisa a partir daquele momento. Até que o 333 chegou, às três horas, trinta e três minutos e trinta e três segundos do dia nove de setembro (3x3x3/3x3x3) de 2024.

Bom, muitos dos fãs que aguardavam ansiosamente imaginavam que aquele seria mais um álbum de Trap, e não estavam totalmente errados. As cinco primeiras faixas do disco entregam o que prometem, com destaque para “4tal” e “Crack com Mussilon”, notavelmente comerciais, até faixas um pouco mais pessoais, como “1993”. O que muita gente não esperava é que, neste trabalho, Matuê apresentaria um perfil mais maduro, o que é perceptível na segunda metade do disco, que se inicia após a faixa “O Som”.

As batidas computadorizadas dão espaço para instrumentos reais, além de temas mais sentimentais e introspectivos do artista, como a vingança, em “V de Vilão”, a reflexão sobre o modo como usamos o nosso tempo e das coisas que abrimos mão para conquistar os objetivos, em “Maria”, e em “333”, onde o cantor se conecta com o seu eu espiritual e pede visão e força para sendo escolhendo os melhores caminhos.

Matuê poderia ter feito mais um disco inteiro de Trap outra vez, mas essa não era a proposta e alguns “fãs” parecem não ter entendido isso ainda. “333” é álbum que gira em torno da evolução musical, mental, espiritual e, como consequência, a material. "A gente começa 333 com o personagem vivendo seu auge na cena, então me inspirei em beats mais clássicos de rap e trap. Os pontos de virada na produção, em que entram a psicodelia e as batidas mais inusitadas, rolam exatamente quando esse personagem se abre para a expansão da mente e do espírito, ou quando ele percebe que nem tudo são flores no topo", contou Matuê, em entrevista para a revista Rolling Stone.

O artista chegou ao patamar de poder produzir materiais experimentais e mesmo assim ter sucesso. As doze faixas do disco entraram na lista das 50 mais tocadas do Spotify Brasil no primeiro dia de lançamento, além de ter garantido a melhor estreia da história do país na plataforma, com 16 milhões de reproduções em 24 horas. Genérico para alguns e revolucionário para outros, “333” é um dos melhores discos do ano e envelhecerá bem.

Retornando ao que falei no início, não dá mais para dizer que Matuê é “somente um rapper”, que recebe um instrumental e rima. Ele sabe chegar ao caminho que quer com as próprias pernas, participando de todo o processo de produção e direção musical das próprias faixas e criando música de fato. Não há mais o estereótipo de “trapper”, já que, agora, o artista mostra sua versatilidade e também explora gêneros como o RnB e até mesmo o Pop dentro do álbum.

Alguns ouvintes um pouco mais ignorantes, digamos, enxergam isso como um ponto negativo. Uma pena que não entenderam, pois o “333” é apenas o início de uma nova fase daquele que hoje é mesmo o tal “01” do jogo e o melhor desde 1993. Quem não é Tuê, é carta fora do baralho.


Danilo Souza

Estudante de Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), músico e produtor audiovisual independente.

danilosouza.jornalismo@gmail.com (Email)
@danilosouza.jornalismo (Instagram)

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