É impossível ler A Redoma de Vidro e, de alguma forma, passar ileso pela obra

Para a pessoa dentro da redoma de vidro, vazia e imóvel como um bebê morto, o mundo inteiro é um sonho ruim.

Lançado originalmente em 1963, A Redoma de Vidro foi o primeiro e único romance publicado por Sylvia Plath, que, até então, era conhecida apenas por suas poesias. A obra narra a história de Esther Greenwood, uma jovem que deixa o subúrbio de Boston para trabalhar em uma prestigiada revista de moda em Nova York. Durante o período de adaptação e transição para a vida que sempre sonhou, Esther se vê presa em um colapso emocional, que vai se intensificando ao longo da narrativa, agravado por um quadro depressivo. A partir dessa premissa, a autora revela, de maneira sutil, incisiva, e um tanto quanto confusa, que também foi uma jovem brilhante, mas, infelizmente, viu a sua vida perder o brilho, até, por fim, desmoronar.

A protagonista se vê presa dentro de uma “redoma de vidro”, onde nada do que ela faz, conquista ou produz faz sentido. Esther olha para suas realizações e não consegue sentir nada além de indiferença. Esses pensamentos, somados às crises existenciais comuns nessa idade, apenas agravaram seu quadro depressivo. Como Esther é a principal (e única) narradora da história, ver o mundo através de sua perspectiva revela o quão complexos e sufocantes esses sentimentos podem ser — o desejo de fazer tudo, mas sentir-se travada, ou o pensamento de que nada do que fazemos é o suficiente.

Eu sabia que deveria ser grata à sra. Guinea, mas não conseguia sentir nada. Não teria feito a menor diferença se ela tivesse me dado uma passagem para a Europa ou um cruzeiro ao redor do mundo, porque onde quer que eu estivesse — fosse o convés de um navio, um café parisiense ou Bangcoc —, estaria sempre sob a mesma redoma de vidro, sendo lentamente cozida em meu próprio ar viciado.

Definitivamente, A Redoma de Vidro não foi uma leitura fácil. Parte disso se deve ao fato de a narrativa ser desordenada em alguns momentos, já que o livro é narrado em primeira pessoa e a noção de tempo da Esther é um tanto quanto incerta, reflexo de suas constantes crises e episódios depressivos. No entanto, para mim, a parte mais difícil, sem dúvida, foi lidar com o conteúdo da história. Ao longo da narrativa, acompanhamos a depressão da protagonista crescendo de maneira gradativa, sendo tratada de forma escancarada, crua e sincera, o que torna a leitura intensa e muitas vezes desconcertante. Talvez tenha sido pelo fato de eu ter lido A Redoma de Vidro com a mesma idade da Esther (19 anos), mas foi quase impossível não me identificar com a protagonista em alguns momentos.

Durante a leitura, percebi que as crises que ela enfrenta — perguntas como "para onde vou?", "quero fazer tudo ao mesmo tempo e, por isso, não consigo fazer nada" e "não sei o que realmente quero para minha vida" — soaram estranhamente familiares (e se tornaram tópico recorrente da minha terapia, risos).

Em fevereiro de 1963, na manhã de sua morte, Sylvia Plath vedou as portas do quarto de seus filhos, deixou pão com manteiga e leite ao lado da cama e, após garantir a segurança deles, tomou uma quantidade excessiva de remédios, colocou a cabeça no forno e abriu o gás. Depois de descobrir esse fato, enquanto lia A Redoma de Vidro, não pude evitar a pergunta: até que ponto o que estou lendo é ficção? À medida que a narrativa avançava, ficava cada vez mais claro que o livro tem um caráter autobiográfico. Os detalhes se tornavam mais evidentes, e a forma como eram narrados evidenciava para mim a impossibilidade em separar o autor da obra. Isso tornou tudo o que está escrito ainda mais visceral, e as metáforas usadas pela personagem passaram a fazer muito mais sentido na minha cabeça. De certa forma, essa conexão fez com que eu fosse ainda mais afetada pelos devaneios de Esther-Sylvia.

Acontece que eu não estava conduzindo nada, nem a mim mesma. Eu só pulava do meu hotel para o trabalho e para as festas, e das festas para o hotel e então de volta para o trabalho, como um bonde entorpecido. Imagino que eu deveria estar entusiasmada como a maioria das outras garotas, mas eu não conseguia me comover com nada. (Me sentia muito calma e muito vazia, do jeito que o olho de um tornado deve se sentir, movendo-se pacatamente em meio ao turbilhão que o rodeia.)

No trecho mais marcante do livro, Sylvia Plath faz uma brilhante analogia para destacar a pressão que Esther sente diante das infinitas possibilidades de vida que se abrem para ela. A autora compara essas possibilidades a figos em uma figueira, onde cada figo representa um caminho diferente — ser esposa, mãe, jornalista, poeta, entre outros. Uma das opções, curiosamente, é se tornar campeã olímpica de remo, mesmo que Esther nunca tenha tido interesse ou vontade de praticar o esporte. Conforme os figos começam a murchar e cair, Esther se vê paralisada pela indecisão, incapaz de escolher uma direção, temendo que qualquer escolha signifique perder todas as outras.

Eu vi minha vida se ramificando diante de mim como a figueira verde na história. Da ponta de cada ramo, como um figo roxo gordo, um futuro maravilhoso me chamava e piscava. Um figo era um marido e um lar feliz e crianças, e outro figo era um poeta famoso e outro figo era um professor brilhante, e outro figo era Ee Gee, a incrível editora, e outro figo era a Europa e a África e a América do Sul, e outro figo era Constantino e Sócrates e Átila e um monte de outros amantes com nomes estranhos e profissões excêntricas, e outro figo era uma campeã olímpica de remadoras, e além e acima desses figos havia muitos mais figos que eu não conseguia distinguir bem. Eu me vi sentada na fenda dessa figueira, morrendo de fome, apenas porque não conseguia decidir qual dos figos eu escolheria. Eu queria cada um deles, mas escolher um significava perder todos os outros, e, enquanto eu estava ali, incapaz de decidir, os figos começaram a enrugar e ficar pretos, e, um por um, foram caindo no chão aos meus pés.

Nas últimas páginas, após uma série de eventos trágicos e episódios depressivos, acompanhamos Esther sendo internada em um hospital psiquiátrico, onde começa um tratamento com eletrochoque. O livro termina com a personagem prestes a sair do hospital, mas sua situação permanece incerta. Ela encara uma mistura de esperança e desespero. A última imagem que temos é a da protagonista se preparando para voltar ao mundo exterior, mas sem uma certeza clara sobre seu futuro.

Com o (polêmico) final aberto, nós não sabemos o que acontecerá com Esther. E que bom. Para mim, a incógnita sobre seu futuro, após uma narrativa que parecia apontar para um único desfecho — a morte — acaba sendo algo positivo. Ao acompanhar a trajetória da nossa heroína, a incerteza sobre seu destino soa mais esperançosa do que um encerramento definitivo. Talvez ela tenha se tornado uma escritora famosa, ou uma estilista formada. Talvez a redoma de vidro tenha voltado a pairar sobre ela em algum momento da vida. Talvez não. Na verdade, prefiro não saber. Um novo começo é muito mais valioso que um final feliz.


Ane Xavier

Estudante de Jornalismo e Ciência Política, apaixonada por comunicação e sempre com um livro em mãos. Também fala sobre leituras no instagram @booksbyane.

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