Por que meu laser dói mais? E outras histórias sobre racismo e likes
Foto: Dermaclub
Era mais uma daquelas tardes de quinta (literalmente) que testam nossa convicção em escolhas estéticas. Lá estava eu, deitada na maca, pronta e apreensiva, no mesmo nível, para a próxima sessão de depilação a laser. Se você não conhece, saiba: não é uma simples questão de remover pelos, mas um daqueles processos que a gente vai ficando mais frágil ao aumentar a intensidade. É uma odisseia que mistura dor, coragem e um desejo quase desesperado de liberdade com gritos de “acaba, pelo amor de Deus”.
A esteticista ajusta o aparelho e avisa, com aquele tom quase casual que me fez repensar toda a minha existência: “Áreas mais escuras podem ser mais sensíveis e suscetíveis a queimaduras.” Peraí, além de sofrer mais, minha pele negra ainda tem que lidar com a falta de preparo tecnológico?
A dor era real, mas o incômodo maior veio da constatação de que, até em um espaço de cuidado estético, o racismo estrutural dá um jeito de se infiltrar. O incômodo durou mais que a dor pós sessão. E lá estava eu, refletindo sobre o quanto as mulheres negras são empurradas para a base da pirâmide, não apenas de classe e gênero, mas também de cuidados, sejam eles básicos ou luxuosos.
No mesmo ritmo das minhas reflexões, chegaram as notícias da semana. Primeiro, uma moça branca recusou ceder seu assento no avião para uma criança de 3 anos. Até aí, tudo bem. Cada um com seu limite e, sinceramente, faria o mesmo. É preciso entender desde cedo que não é com birra que a vida te faz sentar na janela… Mas o ponto é que, em menos de 48 horas, a moça ganhou 2 milhões de seguidores nas redes sociais. Uma influencer instantânea, requisitada por marcas e até criticada pelo exercício mal executado em publicidade, afinal, o engajamento veio despretensiosamente da noite pro dia.
Enquanto isso, uma senhora negra foi feita refém num sequestro em um ponto de ônibus na Avenida Paulista. Durante longos minutos, ela ficou com uma faca encostada no pescoço. Sua entrevista, calma e firme, foi ao ar na maior emissora de TV do país. Mas, adivinha? Não ganhou 2% do engajamento da moça branca do avião. Seu pensamento durante o episódio resumiu tudo: “Eu, com tanta coisa para fazer, parada aqui.” Como se, na lista de prioridades de uma mulher negra, a própria vida fosse um detalhe.
E nós? O que aprendemos com isso? Além de rir para não chorar, é claro. Esses dois casos mostram a discrepância gritante entre como diferentes essas vidas têm histórias recebidas e amplificadas. Privilégio branco, racismo estrutural, algoritmos enviesados e empatia seletiva. Tudo isso se combina para determinar quem merece atenção e quem é apenas mais uma estatística.
A solução? Diversidade nas narrativas, mais do que uma hashtag, precisa ser uma prática cotidiana. Apoiar vozes marginalizadas, questionar nossos próprios vieses e pressionar por tecnologias e plataformas mais inclusivas. Afinal, o racismo não é uma questão apenas de quem sofre, mas de quem o perpetua. Se você tem o privilégio de não ser impactado diretamente, então o mínimo que pode fazer é se instruir e agir.
Da próxima vez que observar ou vivenciar uma situação desconfortável – seja numa maca de depilação ou na correria do dia a dia –, lembre-se: a mudança dessa dinâmica passa pela responsabilidade coletiva. Pequenas ações podem transformar contextos, mas elas precisam ser acompanhadas de um esforço maior para criar estruturas mais justas. E, como diz a senhora da Paulista, não temos tempo a perder!
Laís Sousa
Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!@laissousa_
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