Se tudo é urgente, então, nada é urgente; dá pra se manter vivo em meio a um jornalismo sensacionalista?

Esta é uma opinião assinada e publicada por Danilo Souza, estudante de Jornalismo na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), e, portanto, é de inteira responsabilidade do mesmo e não necessariamente reflete os valores e as opiniões do veículo de comunicação onde exerce seu trabalho.

Hoje, em mais um dia normal de trabalho em uma redação de Jornalismo, fui ver o que era notícia em Vitória da Conquista, que não é tão grande quanto uma capital, como Salvador ou Belo Horizonte, mas também não é tão interior assim. Por isso, além da TV e das rádios, também há muitos sites, portais e, principalmente, blogs que prezam em manter a sociedade atualizada e de forma rápida, ainda mais na era digital onde tudo chega na tela do celular em segundos, de jornalista para público e também de público para jornalista.

A primeira notícia que vi no dia foi sobre uma ciclista que bateu na lateral de um ônibus em uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Até aí, coisa do cotidiano – estranho dizer isso – ou seja, mais um acidente sendo noticiado. O que me choca mesmo é o modo como o fato é tratado para gerar mais impacto no público que, pasmem, compra a ideia do sensacionalismo em boa parte das vezes, talvez pela sensação de curiosidade causada ao ver coisas como um “URGENTE” na primeira palavra do título e uma foto da pessoa acidentada, caída no chão, visivelmente machucada, como capa da matéria.

O público “médio”, digamos assim, aquele que não se preocupa em procurar por mais detalhes do que vê, clica no desespero, ansiando para ver a foto daquela pessoa em uma situação de vulnerabilidade e saber pelo menos o seu nome. Essa pessoa poderia ser seu filho ou filha, sua mãe ou pai, irmão ou irmã, marido ou esposa, e por aí vai. 

A foto é notavelmente amadora, feita pelo celular, provavelmente por algum cidadão que presenciou o fato. E, de novo, estranho dizer isso, mas é normal que esse tipo de material circule em grupos de mensagens e coisas do tipo numa velocidade absurda, o que também diz muito sobre o modo como a maioria das pessoas consomem notícias atualmente. Uma foto chocante, uma leve censura ou borrão para poder dizer que não está totalmente explícito, um título chamativo e pronto; você conseguiu a sua fórmula mágica para o clique.

Você cai na isca, entra para ler e tem, sei lá, cinco linhas de texto. O que causou o acidente? Quem era o motorista que conduzia o ônibus? O que ele tem a dizer sobre o ocorrido? Quem conduzia a bicicleta? Como está o estado de saúde dessa pessoa agora? Se quiser descobrir, você vai ter que procurar sozinho, pois todas essas informações básicas são engolidas pela pressa de ser o primeiro para poder dizer que algo urgente aconteceu e foi o seu portal quem noticiou em primeira mão.

Um outro episódio que me lembro bem aconteceu na segunda metade de dezembro do ano passado, quando um homem armado entrou em uma loja da Panvicon, no Centro, e fez algumas mulheres de refém, inclusive, baleando uma delas. Tudo isso, acredite, foi transmitido ao vivo no Instagram e foi a pauta do dia para os portais. Um prato cheio da desgraça alheia fervendo! Alguns desses portais ainda decidiram publicar um link desta live em suas páginas principais, redirecionando seus leitores para algo que poderia até mesmo resultar em uma morte – lembre-se, uma pessoa já havia sido baleada e o seu corpo foi exibido em uma poça de sangue nessa mesma transmissão.

Alguns minutos depois da exibição do corpo caído ao redor do sangue, a foto/captura de tela da transmissão já era a notícia principal de alguns sites, como já era de se imaginar. Havia realmente necessidade de fazer isso sendo que a população que acompanhava o caso já sabia da gravidade da situação? Vendo pelo lado ético, obviamente, não, mas vendo pelo lado comercial, onde se prioriza os cliques em páginas, a resposta é meio óbvia – infelizmente. 

Neste momento, pensei: “realmente vale a pena fazer Jornalismo? E todas aquelas questões de ética que vi nas aulas, ou pelo menos a parte técnica das fotografias, em Fotojornalismo, então, elas não servem de nada na prática?”. É, quase isso. O portal que, depois que você morre de forma brutal, escreve um “expressamos os nossos mais sinceros sentimentos aos amigos e familiares do fulano” é o mesmo que vai fazer umas três ou quatro notícias sobre a sua morte, com um título chamativo e, se você der muito azar e alguém ter tirado uma foto do seu corpo, vai estar estampado naquela página cheia de anúncios e poucas informações. 

Eu vou para a Universidade todos os dias usando uma bicicleta e imagino que em qualquer momento pode ser eu naquele lugar. É engraçado, pois desde quando passei a praticar Jornalismo diariamente, percebi que eu tenho medo de me acidentar não por conta dos danos físicos e psicológicos que serão causados em mim, mas sim porque eu vou virar matéria em um site que vai monetizar em cima da minha desgraça. 

O acidente de bicicleta foi só um gancho para começar o texto, mas, não se preocupe, é tanta desgraça para acompanhar que você pode até escolher uma subcategoria! Que tal ler sobre um assalto hoje? Ou então um homicídio, suícidio, enfim… Acho que para fazer Jornalismo hoje em dia, tem que ter conhecimentos básicos de funerária ou necrópsia, tudo termina em morte no fim das contas. Será que alguém já fez um “Blog da Funerária” ou coisa do tipo? – risos (para não chorar). 

E sim, esse sempre será o tipo de coisa mais lida. Um lançamento de um artista local e independente precisando de apoio? Nem pensar! Quem sabe se ele ficar famoso um dia, vai ser publicado com todo orgulho do mundo para poder dizer que esse artista começou aqui sua carreira em Vitória da Conquista. Esporte local, com tantos campeonatos de diferentes esportes sem uma cobertura jornalística? Ninguém liga. Mas se algum atleta, sei lá, morrer durante uma partida, aí sim, agora foram cumpridos os requisitos para publicação. Escreva agora e não se esqueça de um URGENTE no começo da frase.  

Como você leu no disclaimer desse texto – o aviso do começo, antes de entrar de fato no conteúdo –, eu ainda sou somente um estudante e estagiário de Jornalismo. Estou há um pouco mais de um ano em atividade profissionalmente e há cerca de cinco semestres na Universidade, por ali na metade do curso, o que me fez ter uma visão mais crítica e humana do que é produzido por aí e como eu posso me inspirar nisso para NÃO replicar. Entretanto, não serei hipócrita, pois eu já escrevi alguns obituários, mas que, na minha visão, foram respeitosos com a vida e o trabalho dessas pessoas. Deixo abaixo dois exemplos. 

Ernande Gusmão, irmão do ex-prefeito Herzem, morre aos 74 anos

Sergio Mendes, ilustre músico brasileiro, morre aos 83 anos

Eu não sou o melhor jornalista da cidade, tampouco o com mais cliques ou mais renome. Quando se fala em notícia em Vitória da Conquista, talvez venha uma dezena de blogs antes de alguém pensar no nome Danilo Souza e, tudo bem, esse não é meu objetivo. E ainda bem que eu não sou o melhor ou o mais conhecido. 

Que bom que ainda há um pouquinho de humanidade em mim e que eu ainda não fui engolido pela insaciável vontade de ser sempre o primeiro, ultrapassando coisas como a ética, o respeito pelo outro ou mesmo aquela que é uma das coisas mais básicas da profissão; apurar a informação e entregá-la com clareza, responsabilidade e sem sensacionalismo.

“O jornalismo sensacionalista é a arte de transformar ou converter algo que já é ruim em algo ainda pior.” – Thiago Capano


Danilo Souza

Estudante de Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), músico e produtor audiovisual independente.

danilosouza.jornalismo@gmail.com (Email)
@danilosouza.jornalismo (Instagram)

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