Especialistas afirmam que revisão do financiamento do SUS é urgente

Para combater a desigualdade no sistema, é preciso encarar a complexidade dos problemas, focar nas pessoas e definir as prioridades, para traçar soluções

Foto: AGÊNCIA BRASIL


No Brasil, os gastos com a saúde representam cerca de 9,6% do PIB (Produto Interno Bruto). Entretanto, apenas 3,8% vão para o setor público, que atende 190 milhões de brasileiros. Desse total, 168 milhões de pessoas dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) e os outros 50 milhões que estão na rede privada também utilizam a rede pública, como o atendimento em um acidente de trânsito, para vacinação e até transplantes. Ou seja, o país investe na saúde pública cerca de R$ 1.600 por pessoa, ao ano, em âmbito federal, estadual e municipal, e a conta não fecha.

Diante desse cenário, especialistas da área da saúde reforçam que não dá para oferecer tudo para todo mundo e é necessária uma revisão urgente do financiamento do SUS, para haver mais equidade no atendimento. É preciso focar nas pessoas, analisar os problemas e definir as prioridades, para encontrar a solução. Esses foram alguns dos principais pontos abordados no painel “O financiamento do SUS nas esferas Federal, Estadual e Municipal”, moderado por Henrique Frizzo, advogado especializado em Direito Público, Relações com o Governo e Direito Regulatório, do Trench Rossi Watanabe, na Edição Especial Global Forum – Incorporação de Novas Tecnologias em Saúde, no dia 28 de junho. 

Para Nelson Teich, médico oncologista e ex-ministro da Saúde, as mudanças só vão ocorrer se os problemas forem tratados com realidade. “Se não encararmos a situação com a complexidade necessária, o que vamos ter são aqueles projetos românticos e que nunca vão resolver nada. Em 2020, o sistema público de saúde teve R$ 1.600 investidos por pessoa, em âmbito federal, estadual e municipal. No Reino Unido, por exemplo, o gasto foi de R$ 20 mil por pessoa e, nos Estados Unidos, país que mais incorpora no mundo, foram R$ 65 mil. São valores muito diferentes do que temos. O problema de não ter recurso para incorporar tudo é ter que fazer escolhas. Hoje, o sistema não é coordenado por um gestor, é coordenado pelas forças de mercado, que sempre vão focar no indivíduo e no lucro e nunca em pessoas. O mercado se equilibra no dinheiro, não se equilibra no cuidado.”

O ex-ministro destacou que, para entender o que acontece com os pacientes na ponta do sistema, é preciso analisar a entrega e não o acesso. “Na oncologia, por exemplo, se uma cirurgia não é bem realizada, a radioterapia é ultrapassada ou um medicamento não está funcionando, a entrega é ruim. O gasto com câncer nos países, em geral, é de 6% dos custos da saúde. De 2005 para 2018, o gasto com quimioterapia no Brasil passou de 12% para 31%. A questão é avaliar se o ganho que tivemos no cuidado foi proporcional a essa redistribuição, se isso tem sido feito com base na necessidade da sociedade. A forma como está sendo conduzida a incorporação tecnológica está errada e precisa ser revista, senão vamos ter mais desigualdade no sistema.”

Em sua abordagem, Teich ainda afirmou que, para haver uma mudança, é preciso ter uma estratégia muito mais forte, baseada em quatro pontos: a sociedade, os problemas, as prioridades e a solução. A pandemia da Covid-19 trouxe como um dos grandes aprendizados a necessidade de colaboração para solução de problemas complexos. “O ministério perdeu a maior oportunidade de ser uma liderança legítima. Líder é o que ajuda, não o que manda, e nunca foi tão necessária uma ajuda. Com a Covid, aprendemos que, sem colaboração, você nunca vai resolver problemas complexos. Se, em vez de estarmos juntos, tentarmos transferir o problema, começamos a ter um desastre na solução. Na gestão de uma crise que nunca vivemos antes, o aprendizado se dá ao longo do tempo, por isso, é preciso haver um movimento em bloco, uma cooperação maior do que existe atualmente.”

Marcelo Caldeira Pedroso, coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos no Setor de Saúde (FEA-USP), reforça que deve haver uma integração maior entre o SUS e a rede privada, para se ter mais eficiência no atendimento à população. “O sistema público de saúde brasileiro está bem desenhado, principalmente, quando falamos de atenção primária, que recebe valores da ordem de R$ 120 bilhões por ano. Quando partimos para a atenção secundária e terciária, começa a apertar, pois temos a falta de diagnósticos e tratamentos. Assim, as instituições que atuam no SUS, como os hospitais filantrópicos, dependem de outros elementos, como doações, para fazer uma boa assistência. Também há os hospitais que atendem o SUS com procedimentos de alta complexidade e dependem da sua inserção no setor privado, para conseguir subsidiar o tratamento feito para a rede pública. Uma saída é revisitar o sistema como um todo, para maior integração entre o SUS e a rede privada.”

Comentários


Instagram

Facebook