O conflito entre preservação e omissão nas expressões artísticas indígenas em Vitória da Conquista
Apesar de Vitória da Conquista ser a terceira maior e mais populosa cidade da Bahia e com 183 anos de emancipação política em 2023, o acesso ao conhecimento sobre a história do município não é fácil. Ao se buscar informações na internet sobre os conflitos entre indígenas e portugueses na região, encontramos poucos textos disponíveis. Mesmo ao ler trabalhos que abordam a história da ocupação de Vitória da Conquista, o etnocídio que ocorreu muitas vezes é relegado a segundo plano.
Nos museus da cidade, são escassos os espaços dedicados a obras que contém as histórias dos povos indígenas. A narrativa histórica de Vitória da Conquista é frequentemente reproduzida de maneira romantizada, deixando de lado um passado marcado por conflitos e um presente carregado de dívida histórica.
No livro “A presença indígena no Planalto da Conquista”, a professora Antonieta Miguel destaca que Vitória da Conquista tem suas origens marcadas pela violência, resultado da disputa entre duas culturas por uma mesma extensão territorial. Essa narrativa enfatiza as dificuldades e desafios enfrentados pelos fundadores da cidade, romantizando a luta pela supremacia em uma época de divisões culturais e disputas territoriais acirradas.
Diversos povos indígenas, incluindo os Ymboré, os Pataxó e, principalmente, os Mongoyó, sofreram nos conflitos. A ocupação de Vitória da Conquista foi realizada à custa da derrota e anulação desses povos. Ao examinarmos as origens da cidade, somos levados a um vislumbre do passado, revelando as forças e tensões que moldaram o desenvolvimento dessa comunidade ao longo do tempo.
Vando Oliveira aparece com algumas de suas artes produzidas em seu Atelier
Mesmo diante dos desafios, há indivíduos que procuram conscientizar e honrar sua ancestralidade de diversas maneiras, incluindo a expressão artística. Um exemplo é o escultor Vando Oliveira, que optou por não revelar sua idade. O artista busca enaltecer seus antepassados, principalmente por meio da terra e dos pigmentos naturais em seu ateliê. Descendente do grupo indígena Mongoyó, o artista utiliza-se do trabalho para chamar a atenção daqueles que observam suas obras, buscando identificação com o discurso de preservação da memória indígena. Contudo, Vando enfrenta a falta de apoio tanto da comunidade quanto das autoridades de Vitória da Conquista.
Vando alertou que falar sobre seu trabalho é também falar de sua infância. A arte sempre esteve presente em sua vida, mesmo quando ele não compreendia completamente o propósito por trás de suas ações. Atividades que considerava brincadeiras de criança, na verdade, poderiam ser utilizadas para honrar seus antepassados.
“Eu tive uma experiência com minha bisavó, que fazia cachimbo, e ela também me deu umas orientações de como modelar em rolinhos, que é uma técnica indígena. Só que eu não tinha a certeza e nem sabia da nossa ancestralidade ali”, ele rememora.
Ao ser questionado sobre o apoio dentro da comunidade e se há respaldo por parte dos moradores de Vitória da Conquista em relação à cultura promovida pelo artista, Vando Oliveira responde de maneira negativa. Para ele, a falta de representatividade é evidente, inclusive em instituições culturais fundamentais, como museus. O escultor destaca a presença significativa de um grupo de paneleiras, mulheres de origem indígena que dominam a arte de confeccionar panelas a partir do barro. Embora consideradas patrimônio de Conquista, não têm um espaço relevante dentro da cidade. Vando lamenta a ausência de um acervo dedicado a essa tradição nos museus locais. A falta de reconhecimento nas instituições culturais reflete uma realidade onde a história e as contribuições desse grupo são subestimadas.
“Aqui em Vitória da Conquista, eu e minha arte somos forasteiros. A gente é visto, na verdade, como uma ameaça, por sempre falar e não deixar que se esqueça do crime cometido no passado contra todos os nossos antepassados indígenas”, desabafa o artista.
Vando lamenta a falta de iniciativas que busquem fortalecer os laços entre os moradores da cidade com as comunidades indígenas da região. Ele conta que até o momento não identificou iniciativas nesse sentido. O que tem observado são pessoas que, por vezes, mencionam sua ancestralidade, afirmam ser descendentes dos Mongoyós, como ele, e então adotam uma abordagem superficial ao vestir-se com cocares, pinturas e comercializar produtos. Essas ações, muitas vezes, perpetuam estereótipos e simplificam a identidade indígena de uma maneira que falta compreensão histórica.
Para essas pessoas, a imagem do indígena muitas vezes se limita à representação folclórica, desconsiderando a diversidade de suas experiências e modos de vida. O artista ressalta que a identidade indígena não se limita a representações estereotipadas, mas engloba uma diversidade de atividades cotidianas, interesses e realizações. Vando também enfatiza a necessidade de uma visão mais ampla, compreendendo que os indígenas contemporâneos podem participar plenamente da sociedade, envolvendo-se em atividades culturais, artísticas e intelectuais.
O artista expressou sua crença na capacidade transformadora da juventude que se inquieta com a história. Ele destacou que, ao compartilhar suas perspectivas, acredita ter plantado uma semente para futuros diálogos. Vando também enxerga a possibilidade de que esse crescente interesse na história, especialmente entre a nova geração, possa expandir-se significativamente. Suas palavras ressoam como um incentivo para que cada indivíduo se torne uma voz ativa, contribuindo para uma compreensão mais profunda e reflexiva das comunidades indígenas em Conquista e, assim, moldando um futuro mais inclusivo e consciente para todos.