Quando você vai perceber que Viena espera por você?
Pensei muito se eu estaria confortável em escrever em primeira pessoa. Pensei muito ao escolher o nome desta coluna. Parecia que nada se encaixava bem o suficiente ou daria a ideia errada do que eu gostaria de passar. E se não fosse interessante o suficiente? E se não fosse inteligente o suficiente? Eu deveria esperar até o último momento para decidir e esperar a iluminação da última hora? Eu quis me abrir com você no início deste texto, porque eu sei que todo humano que me lê sente inseguranças parecidas. É como o mundo é feito. Queremos validação. E temos pressa. Temos compromissos. Temos que estar em algum lugar, entregar algo, temos que nos submeter ao crivo alheio. E na expectativa do julgamento do outro, criamos um julgamento muito maior: o nosso.
Vá devagar, sua criança maluca
Você é tão ambicioso para um jovem
Mas se você é tão esperto
Me diga por que ainda tem tanto medo?
(Billy Joel – Vienna, tradução livre)
A música que cito é usada como trilha do filme “De Repente 30”. Este é um clássico dos anos 2000 que aborda a história de Jenny, uma garota de 13 anos que deseja ter 30 anos para que sua vida possa começar e ela enfim possa ser feliz. Pular etapas nesta história faz com que a protagonista perca o contato consigo mesma e com as escolhas que foram tomadas ao longo do caminho. O desejo dela é voltar, corrigir, mudar e ser outra pessoa além daquela que se tornou (e que não viu se tornar, apenas acordou um dia sendo). Sendo uma obra cinematográfica que não tem o mínimo compromisso com a realidade, Jenny volta no tempo e muda tudo.
A vida não é assim. Não tem botão de corrigir. Vez ou outra, todos nós nos pegamos desejando fazer o impossível e voltar ou avançar no tempo. Ser outra pessoa. Ter outras coisas. Ir a mais lugares. É o início de mais uma crise existencial. Sinal de que a vida está mais voltada para alcançar metas e coisas do que ao que nos é realmente caro. Se você pudesse olhar sua vida como um filme, que personagem gostaria de ser? Que relacionamentos você não abriria mão? O que faria o teu personagem se sentir mais vivo? O que você pode fazer hoje que te aproxima mais dessa pessoa? Por que não está fazendo?
O que escrevo aqui são obviedades. Mas muitas vezes o que é óbvio nos escapa na correria do dia a dia. Daquelas máximas que consideramos tão desnecessárias que sejam ditas que nunca pensamos a respeito. Nunca olhamos para elas e nos distanciamos tanto que quando finalmente notamos nos perguntamos como nunca notamos que já sabíamos daquilo. Eu poderia ter feito esse texto usando menos palavras. Mas agora ele é o que é. Hoje eu precisava não ter pressa, precisava escrever para você sem amarras e me expondo para te convidar a se ver e para que você também me veja. Pare e pense. Você já se perguntou sobre o que precisa agora?
(Cena do filme “De Repente 30”)
Eu gosto muito da maneira como Billy Joel canta sobre esse lugar hipotético que nos aguarda. Mas Viena já está aqui, nos cercando enquanto vivemos no piloto automático. Não é à toa que uma estratégia utilizada na psicoterapia é o mindfulness (ou em tradução livre, atenção plena). Quando desaprendemos a lidar com nossa relação com o mundo e as emoções resultantes desta, o melhor caminho é nos reconectarmos com o que está presente em nossas vidas, aqui e agora.
Você pode justificar para mim o motivo da sua pressa, dizer que tem compromissos, tem contas, tem deveres a cumprir. Eu entendo. Mas nem tudo pode ser sobre produção ou vai se perder de você e se sentir esvaziado. Você pode pensar que essas palavras não falam a você hoje porque não é mais tão jovem quanto o cantor sugere, mas não é esse o ponto. Enquanto você está aqui existe vida. E enquanto você procurar um sentido para a vida, o único sentido conhecido está presente. E esse sentido é: o tempo segue em frente. E a vida está aqui esperando você perceber que ela está ao seu redor.
Maiana Pereira
Psicóloga, baiana, feminista e palestrinha que ama dar um pitaco. Falo sobre os cotovelos sobre tudo que me move. Sou daquelas que a vida tem uma trilha sonora própria. Quero saber mais, ouvir mais, ver mais, ler mais, ver como cada contexto se relaciona. Vem comigo?Conheça também meu site https://www.maianapereirapsi.com/