Você é homofóbico.
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Por Ígor Luz
Sim, você mesmo. Você que está lendo esse texto agora. Nem me olhe com essa cara. Nem tente começar a argumentar. A melhor saída para você agora é assumir a sua homofobia. Assuma. Fale aí, sem medo: "Eu sou homofóbico". Assumir os nossos preconceitos é o primeiro passo para mudança. Para deixar você mais tranquilo, eu, gay assumido, também já fui homofóbico. Eu ainda sou um pouco homofóbico. Mas já fui bem mais. Quando resolvi pegar a minha parcela de culpa, foi quando comecei a mudar. E continuo mudando e aprendendo cada dia um pouco mais.
Quando eu me assumi gay namorando um cara, os amigos heteros (eu não tinha amigos gays) ficaram ao meu lado. Dois deles, preocupados com o que eu poderia enfrentar, sugeriu que eu tivesse cuidado com a exposição. Acatei o conselho. Decidi ser discreto. Carinho em público no namorado? Não. Abraços? Nunca. Falar “eu te amo” na companhia de alguém? Jamais. Na frente das pessoas, meu namorado e eu éramos como dois amigos. A gente se preservava. Eu procurava de todas as maneiras evitar qualquer afetação.
A minha preservação rendeu aprovação das pessoas do meu convívio. “Você nem parece gay”. “Acho legal que você sabe se comportar”. “Muito bom que você não se expõe”. Eu adorava esses "elogios". Eu adorava ser discreto. Para que esfregar na cara das pessoas minha sexualidade? Desnecessário. Com isso, nunca sofri insultos, agressões e xingamentos. Também nunca senti olhares atravessados ou repulsivos.
Depois de um tempo, aconteceu aquele ataque em uma boate gay, que deixou 50 mortos. Várias pessoas nas redes, na minha família, nas ruas, nas chuvas, nas fazendas e casinhas de sapê comentaram: “É por isso que essa gente não pode se expor." "Continue se preservando, meu filho”. Foi só então, depois de tanto tempo, que eu entendi. Os conselhos de preservação vão muito além da preocupação. É um recado velado de homofobia. “Se esconda para não apanhar”. “Não saia do armário para não perder o emprego”. “Não vá para boate gay para não levar um tiro”. “Tem crianças nas ruas, não é legar ficar se beijando”. Fiquei com raiva e com vergonha. Queria colocar na testa uma placa de "VIADO" e sair beijando na boca em praça pública. Queria, pelos 50 LGBTQ+ que morreram naquela boate, me expor.
Eu me orgulhava de não ter sofrido homofobia. E, desculpem a caixa alta, EU NÃO SOFRI HOMOFOBIA PORQUE ESTAVA DANDO OUVIDOS E VOZES AOS HOMOFÓBICOS. O eu, discreto, contido, não incomodava ninguém. “Ele é homossexual, mas ele se preserva”. Em nome dessa preservação, a gente sustenta e banca discursos de ódios que matam gays diariamente.
Depois disso, começou a minha mudança. Fiz diversos amigos gays, comecei a ler sobre o movimento, beijei em público, falo pra quem quiser que eu sou viado, organizo festas de bicha, posto fotos tascando beijão no meu namorado. Aos poucos, a minha nova vida me afastou dos amigos héteros que aconselharam tanta preservação. Também, diariamente, fui aprendendo e percebendo novas maneiras de homofobia camuflada e tentando debatê-las em rodas de amigos e conhecidos. Aprendi que sempre vão querer achar alguma maneira de nos diminuir, de nos abreviar, de nos calar.
Sabe o que temos que parar de pensar? Que homofóbico é só aquele cara que mete lâmpadas na nossa cabeça e atira nos nossos em boates. Nas pequenas atitudes do dia a dia, nos seus conselhos de preservação, no seu olhar constrangedor para dois gays se beijando, na sua piadinha com a lésbica, no chamar o amigo de futebol de “viado” tentando diminuí-lo, no “não precisa ficar se pegando em público”. Essa é a base da pirâmide que sustenta lá no topo assassinos homofóbicos que espancam gays.
Veja onde você alimenta sua homofobia ao invés de só esbravejar “eu não sou”. Veja onde alimenta e mude. Os gays agradecem.
Igor Luz
Sobre o autor: Eu sou o menino do interior que viajava pelas letras dos livros empoeirados e cresceu com essa mania boba de escrever. Jornalista diplomado, cervejeiro de boteco e um patife adorável. Descrente e desastrado. Apaixonado por café, palavras e gente.Instagram @iguluz