Às vezes, em meio ao caos, há arte!
Era 11:30 da manhã quando entrei no ônibus lotado. Passei pela catraca e sem espaço para me movimentar, fiquei por ali mesmo, ao lado dela. Devia fazer uns 30 graus, mas a sensação térmica era de 50. Mirei as janelas, custando a crer que mesmo com elas abertas, estávamos cozinhando dentro do veículo. Algumas pessoas conversavam, enquanto outras assistiam a vídeos (ou conteúdos) pelo You Tube, Instagram, Tik Tok – e sabe Deus em quais outras plataformas digitais – , num volume alto, como se não houvesse amanhã. Ou melhor: como se não houvesse mais ninguém naquele transporte coletivo! O bom senso passou bem longe. Que fim teriam dado aos fones de ouvido dos seus celulares?
Com dificuldade cheguei ao meio do ônibus, que seguia o seu trajeto enquanto meus pensamentos se voltavam para os altos preços de alguns produtos alimentícios. Era a realidade que me aguardava no supermercado, para onde eu me encaminhava. Como pode 250 gramas de café custar R$14,00? A pergunta martelava em minha cabeça. Me lembrei de ter lido algo sobre o assunto, mas superficialmente, num momento em que estava apressada.
Pouco entendi sobre as explicações dadas pelo economista entrevistado. Sei que entre os fatores estava a seca. Com certa dificuldade cheguei ao meio do ônibus. O aperto, o calor, o barulho e a constatação de que o nosso poder de compra não está aumentando, me causaram um enorme desconforto. De repente ouço algo familiar. Reconheço os versos e reparo num grupinho de adolescentes nos últimos acentos.
“Devias vir,
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim…“
Cartola, minha gente! Simplesmente Cartola me salvando daquele aperreio, nas vozes de 4 meninos! Fiquei tão encantada com aqueles seres maravilhosamente sensíveis, que quase perdi meu ponto. Finalmente desci. Já no supermercado, entre uma prateleira e outra, ainda pensava naqueles estudantes. Que lindos eles eram!
Conheciam a obra do magnífico Angenor de Oliveira, que além de cantor e compositor, foi, e ainda é, obviamente, considerado um dos maiores sambistas do país! Nem tudo está perdido, conclui. É como disse o escritor e poeta Ferreira Gullar:
“Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena”
