O vazio narrativo na época das redes sociais

No livro “A Crise da Narração”, Byung-Chul Han afirma que o storytelling e o excesso constante de informações eliminam a nossa capacidade de narrar. A habilidade de contar e ouvir histórias está, realmente, sendo perdida?

Em seu livro “A Crise da Narração”, lançado no final do ano passado, Byung-Chul Han, filósofo e ensaísta sul-coreano, afirma que a narração está em declínio na atualidade. Para ele, o uso do storytelling, habilidade de contar histórias de forma envolvente, muito utilizada no jornalismo, marketing e publicidade, seria o principal motivo para a crise narrativa contemporânea. Paradoxalmente, estaríamos em uma crise de narração em um momento em que a comunicação está em alta. A era em que tanto se fala de narrativas seria, na verdade, uma época pós-narrativa.

Segundo o autor, a narração, antes dominada por sutilezas e subjetividades, hoje é direta e orientada por um único objetivo: o comercial. A narração é contemplativa, ociosa e duradoura. O storytelling, em muitos momentos chamado de storyselling, por sua vez, é barulhento, urgente, momentâneo e carregado de informações. Assim, todo o barulho informativo esconderia um profundo vácuo narrativo.

O olhar “longo, lento e demorado” (p. 17) se perdeu no meio de um excesso ininterrupto de informações fragmentadas. Na busca por conteúdo na internet, percebemos que as informações são transmitidas de forma cada vez mais rápida, as músicas ganham versões speed up para viralizar nas redes sociais e os textos ficam cada vez mais curtos para prender a atenção dos leitores. Vídeos com mais de cinco minutos parecem excessivamente longos e até mesmo os artigos mais informativos e detalhados lutam para manter a sua audiência. A atenção plena se dissipa na inundação de novidades diárias que nos bombardeiam pelas telas.

No mundo das redes sociais, o tédio não é mais uma opção. Com a atenção fragmentada e nossos sentidos constantemente bombardeados pelo excesso de notificações, o “demorar-se contemplativo que é constitutivo do ato de narrar e escutar” (p. 27) desaparece. Um exemplo dado pelo autor são os stories das redes sociais, que seriam nada mais que histórias fragmentadas que consumimos diariamente, além de funcionarem “de forma aditiva, e não narrativa” (p. 51). Por meio deles, não queremos narrar nada, e sim nos autopromover por meio de propagandas pré-montadas da nossa realidade e de nós mesmos. Enquanto a narração cria uma comunidade, essas histórias fabricadas, que fazem cada um ser “empreendedor de si mesmo” (p.123) aumentam o individualismo, ao passo que “desestabilizam a sociedade ao isolar as pessoas” (p. 123).

O excesso de fragmentação altera não só nossa relação com a criação e consumo de histórias, mas também nossa percepção do tempo. O presente imediato passa a ser prioridade em nossas vidas, o passado deixa de ter valor e o futuro se transforma em “um update permanente de coisas atuais” (p. 41). Quando os momentos são convertidos em histórias fragmentadas para as redes sociais, o tempo perde o seu valor e o anseio pelo futuro se desvanece. Somos sufocados pelo anseio da efemeridade do presente instantâneo.

"A Crise da Narração", de Byung Chul Han, se destaca por ser uma leitura rápida e acessível. A principal característica do autor, a meu ver, é a de transmitir ideias complexas de forma sucinta, fazendo, em poucas páginas, o leitor se aprofundar em reflexões pertinentes ao nosso contexto atual. Nesta obra, Han nos leva a pensar na crise contemporânea da narrativa, explorando as vertentes dessa condição em nossa sociedade.


Ane Xavier

Estudante de Jornalismo e Ciência Política, apaixonada por comunicação e sempre com um livro em mãos. Também fala sobre leituras no instagram @booksbyane.

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